Primeira roteirista, diretora e produtora audiovisual trans do estado da Paraíba, Danny Barbosa nasceu na cidade de João Pessoa em ano que prefere não contar. Começou a gostar de arte desde os 6 anos de idade, quando frequentava a igreja com a avó Maria de Lurdes, participando de apresentações de dança e teatro. A infância foi marcada pelos saberes ancestrais ensinados pela mãe Maria Aparecida e pela avó, suas referências de força e resiliência.
Danny sempre quis ser artista e ansiava pelo palco. Estudou música na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) dos 8 aos 12 anos. Aos 13, formou um grupo teatral. De 2001 a 2002 fez um curso de formação para atores em uma escola estadual. Formada em Letras pela UFPB, é professora de Língua Portuguesa. Na pandemia da Covid-19, teve de reaprender o ofício diante as vulnerabilidades sociais de seus alunos, atrapalhados pela falta de estrutura básica para estudar. “Minha rotina foi preparar aula online, mas entendendo que aquela aula não chegaria a todos os alunos. Nós teríamos um atraso nesse contato”, diz.
No mesmo período, como artista, Danny produziu e participou de lives. E entrou para um curso de formação audiotransvisual online, idealizado pelo paraibano André da Costa Pinto e exclusivo para pessoas travestis, transgêneros e não binárias. O currículo englobava escrita, direção e produção.
O primeiro curta-metragem de ficção da agora cineasta Danny Barbosa nasceu nesse engajamento: em Café com Rebu, a protagonista é Vanessa, uma mulher trans que está perto dos 40 anos. Ela consegue se afastar das ruas e vira manicure, pedicure e designer de sobrancelhas, mas, quando vem o isolamento social e o fechamento de comércios e serviços na pandemia, Vanessa se vê obrigada a conseguir dinheiro. Precisa sobreviver até ser aprovada no recebimento do auxílio emergencial.
Trabalhos como atriz — Em 2016, Danny Barbosa participou de outro curta, Hosana nas Alturas, do autor e amigo Eduardo Varandas. Atuou também em obras como Sol, Alegra (2018), de Tavinho Teixeira, e em Seu Amor de Volta, Mesmo que Ele Não Queira, de Bertrand Lira. A atriz subiu no tapete vermelho em 2019, no Festival de Cannes, na França, junto ao elenco do filme Bacurau, dos cineastas Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. No longa premiado pelo júri, ela foi Darlene, dona de um bar na pequena cidade do sertão nordestino. Danny conta que o filme ainda está muito presente na memória das pessoas e que o elenco ainda conversa e troca informações sobre a vida e sobre novos projetos nas redes sociais.
Na avaliação de Danny, a participação de pessoas trans no cinema brasileiro antes só era vista de forma documental, mostrando dores, uma realidade mais crua. Ou era percebida como muito folclórica e caricaturada. “O cinema contemporâneo tem modificado isso e agora temos roteiristas trans. O curso audiotransvisual trouxe 17 trabalhos autorais de pessoas travestis, transgêneros e não binárias. Temos documentaristas, roteiristas ficcionais, a galera de videoarte, recursos tecnológicos”, conta. “Para além do rótulo que somos obrigadas a carregar, temos inteligência, capacidades técnicas e intelectuais e o mercado tem que se abrir para isso.”
De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo. Entre janeiro e abril de 2019, o número de assassinatos aumentou 48% em relação aos anos anteriores
Intolerância — Danny passou pela transição de gênero em 2005 e diz não prestar muita atenção à intolerância das pessoas. “Existem realidades e realidades. Uma mulher trans que vê como única opção na vida a prostituição tem um lugar de fala que eu não alcanço, ela vive uma realidade que eu não vivo”, afirma. “Estamos num país que a cada dia se descobre mais intolerante e agora descobrimos que muitas das pessoas com as quais convivemos eram intolerantes. Tento lidar de modo didático quando dá para ser, mais áspero quando necessário ou com desprezo, se percebo que não adianta dar murro em ponta de faca”, completa.
Ela conta que tem encontrado possibilidades incríveis no audiovisual, mas que busca e gosta de novidade. “O gosto pelas Letras veio do prazer de escrever na escola, de contar histórias; nasceu do prazer da leitura e da escrita. E de querer repassar essas histórias, com a voz, o corpo, as escritas, o desejo de comunicar. Tocar as pessoas me fez escolher trilhar esses caminhos com empenho, carinho, amor, dedicação, para que cada mensagem chegue da forma que ela deve chegar.”
Os sonhos da artista envolvem sua família e sua capacitação como professora, atriz e roteirista. Ela traz consigo novas percepções positivas de pessoas trans nas telas, nas redes e na sociedade brasileira. “Quero a cada dia dar o melhor para minha irmã, minhas sobrinhas, meu sobrinho que está prestes a nascer, meu cunhado. Quero ter mais paciência para contar com todos os detalhes necessários as histórias que quero contar”, diz Danny. “Quero que mais pessoas negras, pobres, transgêneros, LGBTQ+ olhem para mim e acreditem em si. Se elas entendem e me enxergam como uma referência, que tomem posse disso e digam ‘eu também posso ser uma referência’”, encerra.
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