No Pará, a mandioca é um dos ingredientes mais comuns e importantes. Está na tradição dos povos da floresta (é um dos cultivos mais antigos do Brasil) e, na roça ou nos centros urbanos, costuma aparecer em todas as refeições, do café da manhã ao jantar.
Nas comunidades periféricas de Belém e outras cidades paraenses, a mandioca tem participação fundamental na nutrição diária. Para muitos, é fonte de renda. Farinha d’água, tapioca, bolo podre, crepioca, beiju e tucupi são só algumas das muitas comidas obtidas dessa planta versátil, resistente, barata e de relevância econômica e histórica.
Alimento do século Em 2018, a mandioca foi eleita pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o alimento do século 21. Além de rica em carboidratos, as folhas contêm 25% de proteína, cálcio, ferro, vitaminas A e C. Como fonte de amido, a mandioca só perde para o milho
Para saber mais sobre a importância da raiz na vida paraense, o Expresso na Perifa conversou com o professor Miguel Picanço, pesquisador em Antropologia da Alimentação e um dos principais especialistas no assunto.
Autor do livro Comida Cabocla, uma Questão de Identidade na Amazônia desde uma Perspectiva Fotoetnográfica (Ed. Paka-Tatu), Picanço dedicou seus estudos acadêmicos ao processo histórico da mandioca — uma das culturas alimentares mais antigas do Brasil.
Natural de Augusto Corrêa, a 230 quilômetros de Belém, o professor conta que teve uma infância difícil na comunidade de Araí, onde seus pais cuidavam da plantação. “A roça e a mandioca estão na minha vida desde que eu me entendo por gente. Comer arroz ou macarrão, na época, era privilégio de poucos.”
Muito tempo depois, no pós-doutorado, Picanço se daria conta de que a planta tem “vida social” e atribuiria a ela a condição de alimento que “traduz cultura, identidade e fonte de renda”. Além dar sustento ao corpo, a mandioca define a população paraense, amazônida e cabocla.
Não é somente uma coisa que está ali e você vai lá, arranca, come e pronto, não. Ela também nos ajuda a desenhar aquilo que somos enquanto paraenses, ela movimenta nossa vida e falo do paraense a partir daquilo que nós comemos
Quando o Brasil foi colonizado a mandioca já estava aqui, diz o professor. Para muitos antropólogos e historiadores, esse era o tempo da civilização da mandioca. “É uma planta genuinamente brasileira descoberta às margens do rio Amazonas.” No final do século 19, o alimento era o principal produto econômico do Brasil e a primeira Constituição foi denominada Constituição da Mandioca. “Quem mais produzia mandioca tinha direito a votar”, conta.
Na década de 1950 teve início no México a chamada Revolução Verde, um conjunto de iniciativas tecnológicas que transformou as práticas agrícolas e aumentou a produção de alimentos no mundo. Não demorou para o movimento chegar ao Brasil e modernizar a agricultura.
A mandioca perdia aos poucos a centralidade para outros produtos, como o café e a cana de açúcar. “Ela passa a ser uma comida marginal. Ela vai ser marginalizada, porque vai continuar apenas nas periferias de norte a sul”, diz Picanço. No Pará, porém, a planta não cedeu. “Afirmo sem medo de errar que no estado do Pará ela é essa comida; nós comemos da raiz à folha, aproveitamos tudo dela”, conclui.
Números do Pará *mais de 600 mil agricultores vivem do cultivo da mandioca *são aproximadamente 300 mil hectares *quase 90% da produção é empregada na fabricação da farinha d’água *o consumo é principalmente local *em 2018, a cultura paraense chegou a 4 milhões de toneladas da raiz Fonte: IBGE
Parabéns pelo excelente trabalho, primo.
É ai de nós se não tivéssemos a mandioca para a nossa produção da farinha.
Como iríamos tomar o saboroso açaí? Porque a farinha está presente na maioria das refeições paraenses