A periferia tem que ocupar a universidade para que mudanças na sociedade possam acontecer nesses territórios. Este é um dos motes do livro Reflexões Periféricas — Propostas em Movimento para a Reinvenção das Quebradas (Ed. Dandara).
No total, 35 pesquisadores, entre alunos de graduação, pós-graduação, mestrandos e docentes, reuniram pautas relacionadas a favelas, comunidades e periferias. Mais de 300 pessoas foram ouvidas de forma individual e em debates coletivos ao longo dos quase dois anos de pesquisa.
O que fazíamos na universidade agora faremos fora dela. Mesmo com essa realidade de desmonte que a educação vem sofrendo (Tiaraju D’andrea, professor da Unifesp e organizador dos ensaios)
O livro tem como base as múltiplas visões dos pesquisadores que atuam em diferentes frentes de estudo. “Essa nossa experiência de querer transformar a realidade, de contribuir com a quebrada, nos faz pensar que o que fazíamos dentro da universidade agora faremos fora dela. Mesmo com essa realidade de desmonte que a educação vem sofrendo”, diz Tiaraju D’andrea, organizador nos ensaios. D’andrea é pós-Doutor em Filosofia e Mestre em Sociologia Urbana pela Universidade de São Paulo (USP). “Esse livro é produto da união das pessoas que vivem nesse território. Diferentemente dos modelos de pesquisadores extrativistas que só coletam os dados e não deixam nada em contrapartida.”
Reflexões Periféricas — Propostas em Movimento para a Reinvenção das Quebradas O livro apresenta problemas e soluções possíveis em artigos, entrevistas e dados para dez eixos principais cultura gênero habitação participação popular transporte educação infâncias saúde trabalho violência genocídio racismo
Periferia na academia — “Já passou da hora de pensar a universidade como um lugar pertencente à população, para que esta leve suas demandas e, a partir disso, seja possível construir um currículo real e não subjetivo, comprometido com as realidades das periferias”, diz a professora de Geografia Silvia Lopes, uma das autoras.
Na avaliação de Silvia, nenhum projeto de transformação social se realizará se não for abraçado pela maioria que vive nas periferias urbanas. Pessoas que, segunda ela, estão mais conscientes das violências sociais que causam rupturas e ausências de diversos direitos. A professora diz que as vozes que discutiam as periferias na década de 1990, período em que ingressou no magistério na universidade, catalogaram as periferias como um lugar de ausência, um lugar onde só havia espaço para problemas, mas isso deve mudar.
Depois que ingressam, as pessoas que vivem nas periferias criam ações e movimentos coletivos. Um exemplo é o Centro de Estudos Periféricos (CEP) vinculado ao Instituto das Cidades da Unifesp Zona Leste. Foi fundado em 2018, após a veiculação de um manifesto dos alunos que reivindicava, dentre outras coisas, a necessidade da periferia pensante ter um espaço onde todas e todos pudessem compartilhar achados de pesquisa, discutir bibliografias, produzir conhecimento e discorrer sobre seus dilemas com seus pares.
As universidades públicas brasileiras, dizem os pesquisadores, desde seu surgimento serviram à formação de uma classe da sociedade mais privilegiada e as instituições privadas levaram um bom tempo desde seu início até serem ocupadas pelos mais pobres — realidade que reforça a manutenção da marginalização social, econômica e cultural dessas pessoas.
Há muito tempo, docentes, pesquisadores e movimento estudantil, comprometidos com a reforma dessa relação entre universidade e sujeitos periféricos, são agentes importantes na busca por programas de incentivo à educação. Muitos desses homens e mulheres chegaram ao ensino superior por meio das leis de cotas raciais e sociais e também na criação de políticas públicas estudantis como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e Programa Universidade Para Todos (Prouni).
O livroReflexões Periféricas — Propostas em Movimento para a Reinvenção das Quebradas tem apoio da Fundação Rosa Luxemburgo e foi publicado pela editora Dandara
Muito importante conhecer as propostas para fazer da cidade um lugar melhor para se viver a partir do olhar das pessoas que estão nos territórios .
Parabéns Estadão pela cobertura .