Medellín, ao aumentar o investimento em cultura e em educação, conseguiu transformar o cenário de violência da cidade é virou um bolsão de esperança para o Brasil.
ENTREVISTA: Jorge Melguizo, ex-secretário de Cultura Cidadã e do Desenvolvimento Social de Medellín
Jorge Melguizo ajudou a fazer de Medellín, na Colômbia, um case mundial. Em sua gestão como secretário da Cultura Cidadã, de 2005 a 2009, e do Desenvolvimento Social, entre 2009 e 2010, os casos de homicídio baixaram de 382 para 39 a cada cem mil habitantes. A violência na região, hoje, está 95% menor do que há 20 anos. Sua intervenção se deu com 90% de ações culturais. O que faz de Medellín um bolsão de esperança também para o Brasil está na seguinte informação: para combater a violência, o município aumentou o investimento em cultura de 0,6% para 5% do orçamento anual e, em educação, de 12% para 40%. Melguizo conversou com o jornalista Julio Maria.
Alguma outra cidade conseguiu êxito inspirando-se em Medellín?
Sim, mas há um problema. As cidades tomam apenas como referência o que temos feito, mas não como temos feito. Eu creio que o teleférico da Favela do Alemão, no Rio, teve como referência Medellín, mas só copiaram o que fizemos. Faltou um projeto urbano integral de construção social. Ou o parque-biblioteca de Manguinhos, também no Rio, que fracassou. Por que fracassou? Porque o parque-biblioteca chegou como se fosse um meteorito caído no bairro, não como um processo social construído com paciência.
Como se dá essa construção?
Esse trabalho de engenharia social necessita de três coisas: 1. Conhecimento profundo do território e das pessoas. 2. Muitíssima paciência para entender os ritmos da comunidade e somar-se a ela. 3. Muita delicadeza. É preciso acariciar, ser delicado, ser terno com o território. São as mesmas três condições necessárias para se desativar um explosivo. O pior que pode acontecer é desativar um explosivo sem delicadeza, paciência ou conhecimento.
Segurança requer carga de belicismo e força polícia. Seu projeto em Medellín trabalhou isso de que forma?
Houve investimento em segurança também, mas isso correspondeu a 10% ou 15% do resultado final. 90% não passava pela polícia. Fizemos um trabalho de articulação com universidades, empresas privadas, ONGs e lideranças de bairros. O conceito é simples: esses bairros chamados de bairros violentos não são violentos, mas violentados. Não são bairros culpados, mas vítimas. Ao assumi-los assim, eles necessitam de um abraço da sociedade e não da dupla violência que se produz com operações militares. A militarização de um território é uma dupla vitimização que gera mais problemas do que soluções. Quando fizeram a jornada de pacificação com a entrada de dois mil soldados em uma favela do Rio, escrevi: ‘Por que não entram dois mil maestros? Por que não sobem o morro dois mil gestores culturais, dois mil técnicos de esportes, dois mil cidadãos em vez de dois mil soldados?’ Quando leio nos jornais brasileiros que o governador do Rio diz que é preciso disparar para matar um jovem se ele estiver armado penso que isso é impor a pena de morte. Um jovem com arma é um perigo tremendo, mas mais perigoso é um governador que pede a morte sem julgamento para esta pessoa.
Por que reduzir o valor simbólico da Cultura? O que há por trás dessa decisão? Qual o medo que podem ter da educação e da cultura? São elementos de transformação que podem significar perigo para um governante determinado
Como conseguiu convencer as autoridades de que era necessário investir em cultura quando não havia nada?
Em 2004, o investimento em cultura da cidade equivalia a 0,6%. Um ano depois, eram 5%. Em educação, passou de 12% para 40%. Mas foi uma ação coletiva. Nós vínhamos de processos sociais por 15 anos em Medellín e o que fizemos foi mostrar o que havia dado certo. Entendemos a cidade como um laboratório social, educativo e urbano e que tínhamos de construir respostas distintas para cada território. Cada bairro se comporta de uma maneira. Medellín é hoje 95% menos violento do que era há 20 anos.
O Ministério da Cultura do Brasil será unido a outros dois, Esportes e Educação. Não seria o momento de o setor cultural brasileiro romper com o estado e criar uma estrutura independente de financiamento e organização cultural criativa? É possível sem o Estado?
Não, não é possível. Eu sempre digo que parte do que mostra Medellín foi um avanço paralelo equilibrando o fortalecimento das instituições e o aprimoramento da cidadania. Uma sociedade só avança quando tem instituições e cidadania fortes. Se há mais instituição que cidadania ou vice-versa, há um desequilíbrio tremendo. Mas cabe aqui uma suspeita: por que reduzir o valor simbólico da Cultura? O que há por trás dessa decisão? Qual o medo que podem ter da educação e da cultura? São elementos de transformação que podem significar perigo para um governante determinado.
E como pode atuar uma comunidade artística que, por mais uma vez, não tem sinais positivos na área cultural?
Havia uma frase na Colômbia que dizia que é necessária a combinação de várias formas de luta. Creio que é preciso agir com esta combinação. Mas é importante também que o setor cultural pergunte o que tem feito, que pense que o que acontece hoje é também de sua responsabilidade. Como poderiam ser melhores? Há projetos em seu o País que o setor cultural não conhece. Um exemplo fácil são os Pontos de Cultura, uma política pública nacional que não é reconhecida pela elite cultural. Pode ser um bom momento para se entender a dimensão do desafio.
Esses bairros não são violentos, mas violentados. Não são culpados, mas vítimas. Eles necessitam de um abraço da sociedade. É preciso ser delicado. São as mesmas condições necessárias para desativar um explosivo
E não esperar mais por um intermediário?
Não esperar mais. Vocês aqui têm uma força que não há em outros países latinos. Instituições culturais muito fortes. O Sesc é um paraestado cultural tremendo. O Itaú Cultural é um projeto grandioso. Há projetos públicos como a Pinacoteca e toda a rede de museus que não vemos em outras cidades latino-americanas.
O que houve em Medellín foi benéfico para a economia em geral, e não só para a economia criativa. Foi bom para o comércio e para a indústria, para a economia formal ou informal. Creio que o criativo não está só na economia criativa, mas na forma como pensamos as sociedades.
Levar cultura às regiões carentes parece uma forma ultrapassada de pensar gestão cultural. A cultura já está lá, não?
Não levamos cultura na Colômbia. O que fizemos foi reconhecer e valorizar o que havia nas regiões. Criamos os parques-bibliotecas com uma rede relacionada com organismos nas periferias. Um centro foi criado pela comunidade em um bairro de violência. A comunidade desenhou um projeto de centro cultural e um grupo de empresários financiou os custos do centro com 2,8 milhões de dólares. São 1,5 mil de pessoas ali por dia não só do bairro, mas também da cidade. E nesse bairro fizemos muitas intervenções. Há um ano, três jovens rappers do bairro estavam indicados ao Grammy Latino em Los Angeles e eu chorava os vendo na TV. Nós não inventamos esses garotos, eles já estavam lá. O que fizemos foi reconhecê-los.