Inteligência artificial, emergência climática, saúde, guerras. Historiador lista os desafios dos seres humanos no século 21
VIDA REAL
Inconsciente Coletivo
Yuval Harari é historiador e filósofo israelense e um dos escritores mais lidos do mundo. Ele pensa e estuda passado, presente e futuro e já disse em várias ocasiões que a inteligência artificial e a biotecnologia estão nos elevando a uma condição divina e ainda não sabemos o que fazer desse poder de criar e até modificar a vida. Em sua passagem pelo Brasil, o autor da trilogia best-seller Sapiens, Homo Deus e 21 Lições Para o Século 21 esteve em um evento da consultoria HSM no dia 14 de novembro, quando apresentou um painel sobre o futuro da humanidade.
O jornalista Morris Kachani compartilhou no blog Inconsciente Coletivo, no site do Estadão, a transcrição completa da fala do autor, que descreve como “impressionante”. Separemos alguns trechos da análise de Harari sobre as conquistas mais importantes do passado recente – e de que forma elas podem nos inspirar a encarar os desafios do século 21. A íntegra da fala e as considerações finais de Yuval Harari estão neste link.
CONQUISTAS
SUPERAMOS A FOME
No passado, a maioria das pessoas conviveu com a fome. Hoje, mais gente morre por comer demais, do que de menos. A fome sumiu do mundo, exceto a fome política.
Hoje a única fome que existe é a fome política. Ainda se morre de falta de comida em países como Iêmen, Sudão e Síria, mas apenas porque políticos e governos querem que seus povos passem fome
SUPERAMOS AS INFECÇÕES
Hoje, mais se morre de doenças associadas à velhice do que de infecções.
Antigamente as pessoas morriam mais jovens, não viviam o suficiente para morrer de câncer
SUPERAMOS A GUERRA
No passado, a guerra era entendida como algo natural de um mundo imperfeito, e só Deus poderia resolver as coisas por meio de um milagre. Pode não parecer, mas estamos vivendo a era mais pacífica da história. Antigamente paz significava falta temporária de guerra. Hoje significa improbabilidade de guerra.
Há algumas guerras no mundo, claro – venho de Israel e do Oriente Médio –, mas não devemos nos cegar para o contexto global. Isso é menos comum do que em qualquer outra época
Mesmo incluindo Síria e Afeganistão, hoje os crimes de guerra matam menos do que o suicídio em termos estatísticos. Ou seja, você é seu pior inimigo
DESAFIOS
Educação para o amanhã “O perigo está em não tomar as decisões corretas sobre como usar as tecnologias”, afirmou Yuval Harari no programa Roda Viva, da TV Cultura. Sobre conhecimento e formação, Cláudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas, perguntou: “Como preparar as novas gerações para esse mundo?” A resposta: “Pela primeira vez na história, não temos ideia de como será o mercado de trabalho em trinta anos. A única certeza é que as pessoas precisarão se reinventar e continuar a aprender durante toda a vida”.
A GUERRA PODE VOLTAR
O risco existe: se alguns humanos tomarem decisões estúpidas, a guerra volta em um formato ainda pior e com forças mais poderosas, em desequilíbrio flagrante entre sabedoria e estupidez.
Um só tolo é o suficiente para começar uma guerra, e este é um grande perigo
[Se a humanidade desaparecer,] Não será o fim do mundo. Talvez os ratos assumam e aprendam com nossos erros. Espero confiar em pessoas e não em ratos
COLAPSO AMBIENTAL
O colapso ambiental já é uma realidade. Ninguém o quer, claro, mas ao mesmo tempo há algo inevitável que todo mundo deseja: o crescimento econômico. E isso nos leva ao pior dos desafios, que são as transformações provocadas pela tecnologia.
A única esperança realista está no surgimento de novas tecnologias ecologicamente amigáveis
TRANSFORMAÇÃO* TECNOLÓGICA
Inteligência artificial e biotecnologia podem contribuir para nossa evolução, claro. Mas a transformação pode acontecer de diferentes formas e talvez seja preciso enfrentar algo muito complicado do ponto de vista social e econômico.
1) A classe trabalhadora urbana corre o risco de se tornar inútil no século 21 do ponto de vista econômico e político.
2) No mercado de trabalho, a inteligência artificial e a robótica mudarão as profissões. Muitas ocupações vão desaparecer e outras surgirão. Serão suficientes? Países ricos terão mais facilidade para (re)treinar a mão de obra. 3) Na educação, é preciso considerar que teremos uma revolução em 10 anos, outra em 20 e assim por diante. As pessoas terão de se reinventar a vida inteira.
4) No passado era preciso lutar contra a exploração; no século 21 a maior luta é contra ser irrelevante.
A revolução pode criar desigualdades sem precedentes entre pessoas e países
A automação reduzirá a mão de obra sem qualificação, mas será mais fácil substituir médicos do que enfermeiros. Alguns médicos só processam dados. Enfermeiros sempre lidam com pessoas
É importante lembrar
• No século 19, alguns países se industrializaram primeiro. Com a inteligência artificial, estamos no meio da corrida e a China lidera.
• No século 19, quem não se importou com a industrialização nos primeiros 30 anos virou em colônia.
• No século 20, criamos um mundo mais pacífico por meio de lições difíceis. Foram duas guerras e Stalin.
• No século 21, se não atingirmos um mundo mais pacífico na primeira tentativa, a espécie pode não sobreviver.
Ditaduras digitais • O perigo maior está no nível político, na ascensão das ditaduras digitais – governos e regimes totalitários controlando todos o tempo todo. • A fusão da biologia com a tecnologia pode resultar em dados para espionar milhões. • Algoritmos vão te entender melhor do que você mesmo, com poder para manipular sentimentos e substituir suas decisões.