O medo de situações corriqueiras ao volante pode se transformar em motivo para que algumas pessoas deixem de dirigir. Há quem fique inseguro diante da possibilidade de encarar ladeiras, estradas, chuva ou mesmo estacionar. Muitos temem outros motoristas e a falta de educação ao volante.
Aliás, a precária segurança pública e o transporte coletivo ineficiente são determinantes para uma cena muito comum: a maioria dos carros é ocupada por apenas uma pessoa, há veículos demais na rua e o tráfego é caótico. Difícil.
“O medo é uma emoção boa, porque é protetora”, diz a psicóloga Cecilia Bellina, dona de uma autoescola que leva seu nome e que atende pessoas habilitadas que têm medo de dirigir. Ela também é autora do livro Dirigir sem medo (Casa do Psicólogo, 123 páginas, R$ 19). “Quando o excesso de cuidado atrapalha a vida, é porque virou fobia, e esta precisa ser tratada.”
Cecilia pontua três principais medos: o de errar, as subidas e as manobras ao volante. Proprietário do centro de pilotagem que leva seu nome, Roberto Manzini acrescenta o medo do equipamento (carro). “Elas [as pessoas] não sabem dominá-lo, e precisam aprender”, afirma. Aspectos da personalidade, como excesso de ansiedade e de autocrítica, também atrapalham.
Outra coisa que leva ao medo é a negligência da autoescola, na opinião de Cecilia. “Elas não ensinam ninguém a dirigir, apenas a passar no exame.” Manzini concorda. “Antes do teste, aprende-se a fazer baliza, a subir rampas e pronto. Isso não é saber dirigir. É preciso aprender a dominar o carro, e entender que o equipamento não é ‘vivo’. Ele vai atender aos comandos do condutor.”
O centro de pilotagem de Manzini oferece aulas específicas para pessoas com medo de guiar. “Na maioria das vezes, saber dominar o carro ajuda. Quando isso não ocorre, encaminhamos o aluno para um psicólogo”, conta.
A escola de Cecilia Bellina é especializada em ajuda psicológica por meio do enfrentamento. “É preciso identificar a origem do trauma e depois confrontá-lo”, diz Cecilia. “Se uma pessoa tem medo de subidas, vamos levá-la para guiar em rampas até que ela vença isso. ”A psicóloga também aponta a falta de educação dos motoristas com um fator que intimida quem tem medo de guiar.
AMAXOFOBIA
Segundo o dicionário, essa palavra define o pavor de viajar em qualquer tipo de veículo, ou mesmo de se aproximar dele. Rotineiramente, virou o termo técnico para se referir ao medo desproporcional de dirigir
O MEDO DE CADA UM
ACIDENTE 1
A técnica de enfermagem Vanessa Carvalho deixou de guiar em estradas depois de uma colisão. “Se eu passo dos 60 km/h, começo a tremer, e já tive de parar o carro. Por isso, não consigo atingir velocidades seguras para andar em rodovias.” Por causa da fobia, Vanessa teve de mudar de emprego. “Só guio dentro da minha cidade, Bragança Paulista, e eu trabalhava em Atibaia [ambas no interior]”, conta. “Eu tinha de pegar quatro ônibus e perdia quatro horas do dia.” Embora tenha feito terapia para vencer o medo, o problema ainda existe.
ACIDENTE 2
Após sofrer um acidente, a dona de casa Maria Aparecida Silva passou e ter pavor de dirigir e sentia dores no corpo. “Eu tinha medo dos outros motoristas, e ainda hoje tenho um pouco, mas não deixo mais isso me afetar.” Quinze anos depois de parar de guiar, ela fez treinamento que inclui ajuda psicológica junto com enfrentamento do medo. Após um ano e meio de tratamento, superou o problema.
ASSALTO
O jornalista Alexandre Cossenza foi assaltado três vezes ao volante. Em uma das ocorrências, foi vítima de sequestro relâmpago. Em outra, acabou batendo o carro. Depois disso, o morador de Petrópolis (RJ) passou a ter medo de guiar em alguns locais do Rio de Janeiro. “Mas não deixo de fazer nada por causa disso. Apenas fico sempre bastante atento aos espelhos [retrovisores] e evito rodar em algumas ruas, principalmente à noite, quando isso é possível.”
CHUVA E ESCURO
A publicitária Fernanda de Paula teme a chuva de forma desproporcional. “Eu entro em pânico se não tiver boa visibilidade. Na estrada, não dirijo à noite também”, conta. Fernanda diz que sempre tem a sensação de que vai morrer quando está guiando em rodovias e começa a chover. “Já me coloquei em situações de risco. Certa vez, acionei os freios e quase parei em plena estrada. Se minha mãe não tivesse gritado comigo, provavelmente teríamos sofrido um acidente.”
LADEIRAS
A turismóloga Julia Campos não dirige por medo de subidas. “Não consigo acreditar que o carro terá a potência necessária para desafiar as leis da física.” Desde que se mudou de Buenos Aires para Porto Alegre, no início do ano, ela se sente prejudicada pela falta de coragem. “A cidade tem transporte coletivo ruim e muitas subidas, o que dificulta a missão de andar a pé”, afirma ela. Julia acredita que vencerá o medo quando for tirar a CNH brasileira. “Em Santiago [onde se habilitou], é muito fácil conseguir a licença”, diz. “Aqui, acredito que terei aulas práticas em que vou aprender a lidar com subidas, então talvez dê certo.”
ANSIEDADE
Características da personalidade de cada um também podem levar ao medo de dirigir. “É uma fobia que costuma acometer as pessoas ansiosas, porque elas pensam muito nas consequências antes de fazer a ação, e carro pode ser realmente perigoso. Pessoas excessivamente autocríticas e cuidadosas também estão nesse grupo, pois elas não aceitam errar, e dirigir é algo que as deixa muito expostas”, diz a psicóloga Cecilia Bellina.
HOMENS E MULHERES
Na clínica de Cecilia Bellina, 85% do público é feminino. “É cultural”, afirma. “O homem, desde criança, se identifica com carros. Eles têm vergonha de assumir o medo de guiar e de procurar tratamento.”De acordo com Cecilia, a maioria das mulheres considera que o carro é apenas um instrumento para facilitar a vida. “Homem gosta de encarar o desconhecido. Já a mulher quer aprender a dominar o carro”, afirma o instrutor de pilotagem Roberto Manzini.
PRINCIPAIS MOTIVOS
- Estresse traumático (acidente ou assalto)
- Personalidade do motorista (ansiedade e autocrítica excessivas)
- Situações corriqueiras (chuva, estrada, escuro)
- Falta de educação dos outros motoristas
A eletrônica é uma aliada
NA CHUVA
O controle eletrônico de estabilidade (ESP), que está em compactos como Ka e Etios, ajuda a
manter a aderência das rodas. A tração 4×4 por demanda garante segurança sob chuva.
NAS SUBIDAS
O câmbio automático facilita a vida de quem teme “rampas”.
Não há embreagem e não requer usar o “freio de mão” para sair. Basta escolher a posição “Drive” e soltar o freio para o veículo começar a andar. O assistente de saída em rampas, disponível até em carros manuais, como o Fiesta, controla a partida sozinho e evita que o
veículo volte de ré.
NAS MANOBRAS
Sensores de obstáculos, que equipam desde os modelos mais simples, emitem sinais quando o carro se aproxima muito de outro ou de uma barreira, como uma parede ou pilar. Assim como as câmeras, ajudam muito na hora da baliza. Há ainda sistemas que estacionam o carro com mínima intervenção do motorista ou mesmo sozinhos.
SE NADA DISSO DER CERTO, VOCÊ PODE…
…usar carona e/ou aplicativos de táxi e carros particulares
…andar de bicicleta
…caminhar
…misturar um ou outro recurso acima com o transporte público, trecho a trecho