O movimento mundial Maio Amarelo ocorre pela sexta vez no Brasil. A proposta é alertar a sociedade para o alto índice de mortes e ferimentos no trânsito. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), em 2013, 1,3 milhão de pessoas perderam a vida em 178 países e, no Brasil, 43,8 mil pessoas morrem todos os anos em decorrência de acidentes desse tipo.
Em São Paulo e em todo o mundo, além do Maio Amarelo, há iniciativas voltadas à defesa da vida. Elas promovem campanhas e divulgam informações. Nesta edição, o Expresso convida leitoras e leitores a conhecer alguns desses trabalhos e a pensar no próprio comportamento.
Veja as análises de especialistas ouvidos pelo Estado sobre o programa paulistano Vida Segura e a proposta do atual presidente da república que pretende aumentar para 40 pontos o limite de pontuação da carteira de motorista. Será que é por aí?
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MAIO AMARELO
É um movimento internacional de conscientização para redução de acidentes de trânsito em todo o mundo. Ele parte do princípio de que a movimentação de todas pessoas nas cidades e nas estradas deve ser sempre segura – em qualquer meio de transporte e forma de locomoção. O objetivo é chamar a atenção da sociedade para os números altos de mortes e ferimentos, causados principalmente pelo excesso de velocidade e o desrespeito às leis, e promover discussão, reflexão e participação. Em 2019, o tema da campanha é No Trânsito, o Sentido é a Vida.
#maioamarelo
Por que maio e por que amarelo? Em 11 de maio de 2011, a Organização das Nações Unidas decretou a Década de Ação para Segurança no Trânsito. O amarelo simboliza atenção e advertência em trânsito
AÇÃO DA HYUNDAI NA PAULISTA A montadora Hyundai criou um videogame gigante e aberto ao público na Paulista, na fachada da Fiesp. A missão é fazer escolhas seguras ao volante em 90 segundos, usando carrinhos inspirados em modelos HB20. Além do jogo, duas artes luminosas estão em exposição: a Modal destaca a mobilidade urbana. A Melancia usa a fruta como metáfora para a fragilidade dos corpos. (Redação Jornal do Carro)
Galeria de Arte Digital do Centro Cultural Fiesp. Av. Paulista, 1.313. Jogo interativo: 19h/22h, de quarta a domingo. Artes visuais: 22h/6h, diariamente. Grátis. Até 30/5
VISÃO ZERO
Este plano foi lançado em 2017 por Buenos Aires, na Argentina, e Bogotá, na Colômbia. Os princípios são muito simples: o ser humano é falível. Humanos bebem e dirigem. Humanos olham para o celular na hora de frear. Humanos também não conseguem ver o carro em alta velocidade quando atravessam a rua. Partindo daí, o Visão Zero busca criar condições para que tudo (vias, velocidades, sinalização etc.) conspire para que não haja consequências graves. O outro princípio é básico também: todos são responsáveis pela segurança – quem planeja as ruas, quem fiscaliza o trânsito, quem dirige. As cidades se comprometem a controlar obsessivamente todas as variáveis que podem reduzir as mortes e os acidentes no trânsito. Elas reduzem os limites de velocidade, redesenham as ruas, cuidam dos trajetos dos pedestres, usam dados do trânsito, revisam a sinalização, fazem campanhas educativas e multam motoristas imprudentes. (Mauro Calliari)
VIDA SEGURA
Programa para reduzir morte e acidentes graves no trânsito lançado em abril pela prefeitura de São Paulo. A assessoria técnica é do World Resources Institute (WRI) [instituição global que faz estudos e implementa soluções sustentáveis em clima, florestas, cidades, meio ambiente, oportunidades econômicas e bem-estar] e da Iniciativa Bloomberg para Segurança no Trânsito (BIGRS). A principal meta é reduzir de sete para três as mortes a cada 100 mil habitantes até 2028. Se der certo, em 10 anos estaremos no nível atual de Nova York. (Mauro Calliari)
ANÁLISE: VIDA SEGURA
‘São Paulo está atradasa, diz urbanista’
MAURO CALLIARI*
O programa [Vida Segura] vem com algum atraso em relação a outras grandes cidades. Em Estocolmo, a ideia foi implantada já na década de 1990. Cidades europeias e americanas se inspiraram e lançaram os seus. Em 2017, Bogotá e Buenos Aires apresentaram o Visão Zero. Aqui, demoramos para decidir que mortes nas ruas das cidades são evitáveis e inaceitáveis. Precisamos do plano que se propõe a reduzir as mortes no trânsito. Mas há muito o que dizer sobre sua possibilidade de êxito.
TEMPO
O Vida Segura coloca metas para dez anos. Pensar a longo prazo é ótimo, mas é preciso criar ações agora que se consolidem sem depender da boa vontade de futuras gestões. As ações vão na direção certa, mas pecam pela timidez na velocidade de implantação.
MOTOCICLISTAS
Em São Paulo, dois grupos de pessoas têm mais chance de morrer no trânsito: os motociclistas e os pedestres. O programa propõe impedir que os motociclistas usem as vias expressas das marginais, mas não aborda nenhuma ação para coibir a costura no trânsito, a ultrapassagem perigosa e o excesso de velocidade.
PEDESTRES
Pode não parecer, mas São Paulo é uma cidade de pedestres. A maior parte dos deslocamentos diários é feita a pé, ou envolve o pé em algum trecho. Só que calçadas, travessias e conforto de quem anda sempre receberam pouca atenção, o que se traduz em investimentos ridículos diante do que gastamos em asfaltos e viadutos. O Vida Segura menciona algumas ações para acalmar o tráfego, principalmente perto de escolas. É excelente. Mas as ações são tímidas.
CONDIÇÕES
É preciso mexer com velocidades, cobrar comportamento diferente dos motoristas e mudar o desenho das ruas. A prefeitura está produzindo um manual de redesenho que poderá ser a chave para reduzir o ângulo de conversão, aumentar e padronizar calçadas e principalmente diminuir os riscos de atropelamento. Além das escolas, há que se pensar também em proteger as pessoas dos veículos nos entornos de estações e terminais, que geram muito movimento.
LIDERANÇA
Para atingir os resultados esperados, o Vida Segura depende de cobrança implacável de metas, fiscalização e educação dos motoristas desde a habilitação, o que vai muito além das campanhas de comunicação. Em São Paulo, é auspicioso que o prefeito se engaje nessa causa, pois dele vai depender a defesa dos princípios do plano, que certamente vai sofrer pressão de motoristas a favor do espaço e a velocidade dos carros. O Comitê de Segurança anunciado com o plano só vai funcionar se os próprios membros forem cobrados pelas metas de redução de mortes.
APOIO
Dar visibilidade à segurança e tornar explícita a preocupação pública com acidentes no trânsito é ótimo. O sucesso depende de regras claras, controle, fiscalização e adesão. Vale acompanhar essas metas como um caminho para que a vida na cidade seja menos difícil. A causa é essencial: o direito de cada pessoa chegar ao seu destino em segurança.
*Administrador, mestre em urbanismo e autor do blog Caminhadas Urbanas
DEBATE: PONTUAÇÃO NA CNH
O Ministério da Infraestrutura vai enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei que aumenta de 20 para 40 pontos o limite da pontuação de multas que leva à suspensão da carteira de habilitação. O Estado fez a seguinte pergunta a dois especialistas: Deve-se alterar para 40 o limite de pontos da CNH?
SIM
PAULO BACALTCHUCK*
A medida para aumentar o limite de pontos na carteira pode dar um pouco mais de folga, de margem, para o motorista. O número de carteiras cassadas em São Paulo aumentou absurdamente nos últimos tempos diante de uma política de fiscalização de tolerância zero, o que levou os condutores a uma descrença sobre o sistema. Isso porque as autuações não são voltadas a motoristas alcoolizados ou contra excesso de velocidade, mas, sim, a estacionamento em locais proibidos ou porque o condutor esqueceu de dar a seta para fazer a conversão.
A percepção geral é de que as multas são voltadas para arrecadação, a chamada indústria da multa, sem relação mais focada com redução de acidentes, atropelamentos e mortes. As ações deveriam ser voltadas para conscientizar os motoristas sobre os erros no trânsito e as suas consequências. Mas o que se vê é um guincho rodando a cidade, buscando ‘clientes’ em estacionamento proibido.
Nota-se que o objetivo é causar uma sensação de medo, medo dos ‘marronzinhos’. Enquanto isso, ninguém vê o investimento devido voltado a medidas para salvar vidas ou para melhor a estrutura, já que andamos em ruas cuja superfície se assemelha à da Lua.
*Consultor e professor de engenharia de tráfego da Universidade Presbiteriana Mackenzie
NÃO
MAURICIO JANUZZI SANTOS**
Aumentar para 40 o número de pontos tido como limite para suspensão é um incentivo à impunidade para quem transgride as leis de trânsito, e afrouxa o bom senso dos motoristas, podendo, a médio e longo prazo, levar a um trânsito com mais acidentes e mais mortes. Ao saber que vai doer no bolso e pode representar uma cassação do documento, o motorista se habitua a andar de forma mais cautelosa.
Com uma mudança nos parâmetros, a mensagem passada é de que é necessário menos obediência. Já temos um trânsito com muitos acidentes com o limite atual. Aumentá-lo pode mostrar uma tendência também de crescimento na insegurança.
Por outro lado, sabendo que os motoristas podem tomar mais multas, a medida pode até mesmo representar um incremento na atuação da chamada indústria da multa, com aumento no número de autuações, incentivando esse tipo de comportamento notado em alguns Estados. É necessário que os órgãos invistam na educação de trânsito para só depois passar a realizar uma fiscalização efetiva. Sem educação, o comportamento causa revolta em quem não conhece a legislação.
** Advogado e ex-presidente da Comissão de Direito Viário da Seccional São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP)
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