A fotógrafa paulista Marcela Bonfim criou o projeto fotográfico (Re)conhecendo a Amazônia Negra, em prol do legado e da contribuição da população afrodescendente ao tecido sociocultural do estado de Rondônia. Um dado determinante para a existência do projeto, diz Marcela, é o fato de pesquisas e registros sobre essas populações geralmente se concentrarem nas especificidades e características do Nordeste, do Centro e do Sul do Brasil – sem muito destaque para a região Norte.
Marcela mora em Porto Velho, capital rondoniense, desde 2010. Trabalhou como economista até descobrir na fotografia uma conexão potente com a população tradicional negra e ribeirinha e de origem afro-caribenha. Isso foi fundamental, conta, na construção de sua identidade como fotógrafa. Nascida em Jaú, no interior de São Paulo, ela comprou a primeira câmera fotográfica depois de dois anos vivendo na região Amazônica e estreitando o contato com as frequências de cultura negra, a história da cidade e os personagens importantes para a cultura local. “Eu vi uma negritude acontecer das margens e do centro de cultura da cidade. Comecei a fotografar e a me surpreender com o que estava vendo e com os aspectos da beleza. Eu não me achava uma pessoa do padrão e tinha muitos problemas com a minha imagem.
Desde que o negro nasce, ele não se vê como padrão, ele não se vê nos livros de história. A partir da fotografia, tudo isso passou a se elucidar na minha cabeça. ‘Nossa, é bonito sim’
Marcela Bonfim, fotógrafa e artista visual
“Percebi aspectos de negritude que eu nunca tinha percebido em São Paulo. Isso me despertou um interesse pela imagem. Rondônia é um processo. A Marcela é um processo. A gente não conhece a verdadeira história, que ainda está para ser contada. A minha história começa num lugar potente, num corpo negro desconhecido e numa Amazônia completamente invisibilizada”, diz a fotógrafa.
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O desenvolvimento não terá vez sem o reconhecimento da identidade brasileira que é múltipla. Não podemos falar no singular, temos que pluralizar. São Amazônias
Partindo dessas reflexões, Marcela começou a pensar a própria história da fotografia e a figura do negro na fotografia. “Ela traz muitas e muitas camadas daquilo que a gente tenta se libertar. Puxando por baixo dessas camadas, existe uma humanidade, uma potência e um poder. A fotografia me levou para uma quebra na relação entre querer e poder. Ali eu vi que podia mais”, disse Marcela.
Trabalhar com imagem é ressignificar essa pluralidade o tempo todo, permitindo que as pessoas ampliem o seu imaginário. Fotografia é, sobretudo, imaginário
Sua obra pode ser definida como uma pesquisa de antropologia visual para mostrar a memória da população negra na região amazônica. Ela já fez registros em Porto Velho e quilombos do Vale do Guaporé. É autora das exposições Madeira de Dentro, Madeira de Fora (2020) e Amazônia Negra (de 2016), que circulou por 13 estados brasileiros com fotografias impressas em madeira. As lentes de Marcela Bonfim captam também a migração de haitianos e venezuelanos negros para a região Norte do Brasil, em busca de condições melhores de vida. E ela está escrevendo um livro. O título é As Imagens (In)Visíveis da Cor.
BREVE HISTÓRIA DA CHEGADA DOS NEGROS NA AMAZÔNIA
A partir de 1870, nos ciclos do ouro e da borracha, foi significativo o aumento da migração de pessoas negras para a Amazônia. Nas duas primeiras décadas do século 20, por exemplo, chegaram muitos afro-caribenhos, de Barbados e outras partes do Caribe, para trabalhar como mão de obra qualificada na construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré, com mais de 360 quilômetros de extensão e inaugurada em agosto de 1912. Ainda antes, nos séculos 18 e 19, pessoas escravizadas de Vila Velha da Santíssima Trindade, atual Mato Grosso, deslocaram-se para as terras que hoje fazem parte do território de Rondônia.
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