Inspirados em festas literárias que aconteciam em outros bairros das periferias de São Paulo — e de olho em tantos nomes que produziam literatura, arte e cultura na região noroeste da cidade —, bibliotecários e coletivos se uniram para criar a Festa Literária Noroeste (Flino).
A segunda edição começa nesta segunda, 29 de novembro e vai até 5 de dezembro. O tema Chão: sob o que Penso, Piso e Sou pretende evidenciar a periferia como lugar pulsante de literatura, arte e cultura.
A programação multicultural da Flino tem mais de 25 atrações, entre transmissões ao vivo e atividades presenciais. Haverá contação de histórias, intervenções poéticas individuais, espetáculos de teatro, exibição de documentário, música e performances, além de oficinas, rodas de conversa de literatura, território e temas ligados às questões étnico-raciais, além de uma feira virtual de livros de autoras e autores independentes da região.
Morador de Pirituba, na zona noroeste de São Paulo, Sandro Luiz Coelho é bibliotecário e co-idealizador da Flino. “Historicamente, há uma população que foi silenciada por séculos no Brasil e, com o passar dos anos, migrou de um lado para outro, tomou outras caras e cores, e hoje vive nas periferias dos grandes centros e nos mais longínquos lugares do país”, diz Sandro. Para ele, a beleza da festa está em dar visibilidade às pessoas e suas histórias, cores e fragilidades e a seus cheiros. “Um espaço de artes, letras, escrita e oralidade mostra que essa população tem voz e nós somos o megafone dela.”
“Uma parte da Flino que acho fundamental é o chamamento público”, afirma Douglas Alves, produtor cultural e articulador da Festa. “É importante pensarmos os aspectos que esse chamamento público deveria contemplar com as propostas que recebemos, a propriedade com o território, a questão de gênero e racial. Contamos com curadores e curadoras moradores do próprio território, que já atuam com cultura, arte e literatura.”
O maior desafio da realização — A atriz e coordenadora de produção da Flino, Angélica Muller, afirma que o maior desafio para colocar a feira em pé foi organizar e contemplar as potências culturais e literárias no território. “Temos que gerir uma produção da festa que contemple tudo isso e que potencialize ainda mais e que não seja um formato de festa padrão, castradora, elitista e meritocrata em relação à construção do trabalho e da arte e da cultura periférica.”
Outro movimento importante, segundo Angélica, foi promover fazedores de cultura, escritores, poetas e articuladores do território por meio de espaço e remuneração minimamente digna. Artistas e convidados são pagos por suas participações.
Para fechar as contas, a organização busca verba em políticas públicas baseadas em leis como a do Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas, em que as secretarias de cultura e educação, enquanto poder municipal, cabe a articulação e a mobilização de recursos, programas e estratégias em prol do fomento à leitura.
“A primeira edição fizemos quase sem nenhuma verba, verba mínima e cachê simbólico só para equipe de organização. Não tinha condição de pagar nenhum artista e neste ano já conseguimos”, emenda Angélica. “Por mais que não seja um cachê que custeie o trabalho de fato, estamos sempre tentando viabilizar a festa para que chegue no maior número de pessoas, que contemple a pluralidade do território”.
Homenagem — O homenageado da vez é o geógrafo Milton Santos, considerado um dos maiores intelectuais negros do século 20, além de uma referência nas reflexões sobre território. A escritora e jornalista Jéssica Moreira, que também é uma das organizadoras do evento, ressalta o significado do geógrafo. “Foi um dos sujeitos que ajudaram a construir a forma de se pensar geografia no país. Milton Santos sempre trouxe o território como este lugar político e pulsante de ideias e imaginários em nossa sociedade”, diz.
Foi da leitura de um artigo de Milton Santos intitulado O chão Contra o Cifrão, publicado pelo jornal Folha de S. Paulo em 1999, que veio o mote da Flino 2021. Em um dos trechos se lê: “O território é onde vivem, trabalham, sofrem e sonham todos os brasileiros. Ele é, também, o repositório final de todas as ações e de todas as relações, o lugar geográfico comum dos poucos que sempre lucram e dos muitos perdedores renitentes, para quem o dinheiro globalizado — aqui denominado ‘real’ — já não é um sonho, mas um pesadelo”.
Para Jéssica, a frase é atual. “Mesmo com tantos avanços, ainda há muitos desafios em nossos territórios periféricos. Para nós, é interessante ver a literatura a serviço deste outro mundo possível que Milton Santos dizia, pois ela, entre muitas outras coisas, pode ser essa ferramenta de imaginar outros futuros possíveis em nossas periferias”, atesta.
FLINO 2021 2ª Festa Literária Noroeste (FLINO) De 29/11 a 5/12 Para a programação e o formulário de inscrições das oficinas, clique aqui