Aplicativos desenvolvidos no Brasil têm se tornado ferramentas-chave na luta contra a violência doméstica. Disponíveis para baixar em dispositivos móveis, como celulares, promovem suporte e informações, além de ouvir e orientar mulheres em risco.
Entre os vários projetos destacam-se ‘Todas por Uma’ e ‘Penhas’. Ao completarem cinco anos de existência em 2024, esses aplicativos apresentam avanços significativos na luta contra a violência, evidenciando a importância da tecnologia como recurso de apoio e proteção.
Criado pelo Instituto AzMina, o ‘Penhas’ é um aplicativo gratuito que já alcançou cerca de 14 mil pessoas interessadas. Diretora de Operações e Tecnologia da organização, Marília Moreira destaca que o projeto se baseia nos pilares da informação, do acolhimento e do pedido de ajuda.
Segundo Marília, o objetivo é promover um espaço seguro onde as mulheres possam compartilhar suas experiências e encontrar apoio. “Antes de encaminhar para a denúncia, é crucial ouvir e compreender o que elas sentem. Existe um período dentro do ciclo da violência dedicado ao reconhecimento da condição da vítima, e percebo uma carência de projetos que se dediquem a isso,” afirma.
Uma das funcionalidades do app é o botão de pânico, que alerta pessoas de confiança da usuária, ao invés de acionar diretamente a polícia, enviando a localização exata da mulher em perigo.
O aplicativo também introduziu recentemente o Manual de Fuga, para orientar mulheres a planejar sua saída de ambientes abusivos de forma segura. “Oferecemos um guia detalhado para preparação e execução de um plano de fuga, considerando diversas necessidades pessoais”, explica.
A eficácia do Penhas, de acordo com Marília, é evidenciada pelo retorno das mulheres assistidas. Muitas relatam se sentir mais seguras e empoderadas para discutir suas experiências de violência pela primeira vez. O aplicativo garante anonimato e privacidade, além de propiciar que as mulheres falem abertamente em um ambiente protegido.
Além de suas funcionalidades internas, o Penhas colabora com organizações como o Mapa do Acolhimento. Conecta, assim, usuárias a uma rede de apoio. “Nossas parcerias ampliam o suporte disponível, oferecendo acesso a advogadas e psicólogas voluntárias,” complementa Marília. Ao abordar o impacto do app no combate à violência contra a mulher, a diretora ressalta a importância de uma abordagem multifacetada que o aplicativo oferece.
Para ela, vai além do simples acionamento de um botão de pânico. O aplicativo é uma plataforma de empoderamento e de educação. Usuárias relatam, conforme Marília, que a ferramenta ajudou no reconhecimento de padrões de abuso em suas relações. “Todas as etapas do aplicativo visam conscientizar a mulher acerca da violência sofrida, porque, sabemos, comportamentos abusivos ainda são naturalizados em nossa sociedade, tem a questão religiosa, tem a questão moral ou da educação social mesmo.”
‘Todas por Uma’ – No coração da Vila Maria, na zona norte de São Paulo, Mateus de Lima Diniz, de 25 anos, também se coloca à frente de um cenário de combate à violência contra as mulheres no Brasil com seu aplicativo “Todas Por Uma”.
Inspirado em sua própria história de vida marcada pela violência doméstica presenciada na infância, criou um recurso tecnológico capaz de oferecer suporte às vítimas.
“Da minha maior dor, nasceu a maior vitória. O aplicativo se tornou um referencial no Brasil no combate à violência contra as mulheres. Nasceu dentro de uma sala de aula porque não tinha recursos para pagar programadores”, descreve Mateus, ao explicar que o desenvolvimento inicial do aplicativo se deu como trabalho de conclusão de curso na Escola Técnica Estadual (ETEC) Professor Horácio Augusto da Silveira, na capital paulista.
O aplicativo, criado em setembro de 2019, permite de forma discreta o envio de pedidos de socorro pelas vítimas, incorporando inteligência artificial para a localização geográfica de pessoas sequestradas ou vítimas de violência.
Parcerias e resultados – Um marco significativo para o ‘Todas Por Uma’ foi a colaboração da Federação Paulista de Futebol e os principais clubes do Paulistão Feminino, que utilizaram suas plataformas para divulgar informações sobre o aplicativo. Além disso, o envolvimento com a Comissão Feminina do Carnaval de Rua de São Paulo em 2024 destacou o papel do app na promoção de um ambiente seguro para as mulheres.
Ao falar sobre sua jornada, Mateus destaca que a motivação transcende a busca por reconhecimento ou riqueza. Segundo ele, sua missão é salvar vidas e honrar a luta de sua mãe, Dona Nice, cuja resiliência foi essencial para sua formação.
Segundo o empreendedor, o projeto atualmente dialoga com o município de São Paulo com o objetivo de estabelecer uma parceria com o poder público. A intenção é criar uma central de atendimento localizada nas delegacias da mulher, destinada a prestar apoio a vítimas que estão sob medidas protetivas. Essa iniciativa busca oferecer um monitoramento mais eficaz, visando assegurar a proteção de mulheres em situação de risco.
Dentro do Brasil, os estados que registram o maior número de usuários do aplicativo ‘Todas Por Uma’, até a quinta posição, são: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul. Os dados estatísticos identificam essas áreas como as mais críticas em termos de violência e assédio contra mulheres.
Além das fronteiras nacionais, o projeto alcançou reconhecimento internacional, marcando presença em aproximadamente 30 países. Liderado pelo Brasil, é seguido pelos Estados Unidos, Portugal, Canadá, Holanda e Alemanha.
Em 2023, o ‘Todas Por Uma’ registrou 7.115 mensagens de pedido de socorro. No aplicativo, destaca-se a funcionalidade dos chamados ‘anjos’, indivíduos de confiança previamente selecionados pelas usuárias, cadastrados e notificados em situações emergenciais. No ano passado, 86 mulheres recorreram a seus ‘anjos’ em busca de ajuda, totalizando 874 novos apoiadores cadastrados.
O aplicativo facilita ainda a localização de delegacias próximas. Um destaque se dá também para o método intuitivo de pedido de socorro: ao balançar o celular ou pressionar um botão intitulado “cupons”, um alerta é discretamente enviado aos ‘anjos’.
Essa operação, camuflada por uma tela de propaganda que simula uma ação cotidiana como fazer compras, garante que o pedido de socorro seja enviado sem despertar a atenção do agressor. No ano passado, tal recurso foi utilizado por 218 mulheres por meio do gesto de balançar o celular e por outras 179 ao pressionar o botão de socorro no aplicativo. “Como potência tecnológica que nasceu de uma dor, o aplicativo hoje conecta o mundo no combate à violência contra as mulheres”, finaliza Mateus.
Canais do governo federal – O governo brasileiro disponibiliza o “Ligue 180”, serviço que abrange várias formas de assistência. Permite às mulheres não apenas o relato de violações de direitos e casos de violência, mas também o direcionamento para receber apoio em estruturas preparadas, como delegacias especializadas, Casas da Mulher Brasileira e abrigos.
O serviço é gratuito e funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana, inclusive sábados, domingos e feriados. Além disso, desde abril de 2023, o Ligue 180 expandiu seu alcance ao ampliar um canal de atendimento por meio do WhatsApp, no número (61) 9610-0180, aumentando a acessibilidade do serviço. Para complementar, as mulheres também podem acessar o “Painel do Ligue 180”, acessível pela internet aqui. Nele, são apresentados aproximadamente 2.500 pontos de assistência em todo o país.