Sim, esta é uma coluna de uma mulher da periferia, mas você não lerá apenas sobre gênero e território. Hoje quero falar sobre algo que também atravessa essas condicionantes, mas não apenas. Afinal, como estar contente sendo mulher e pobre em um mundo machista e capitalista? Não há autoajuda que sustente essa mentira!
Estive pensando nessa pressão de estar ou tentar ser positivo o tempo todo e de como isso tem sido nocivo por aqui. Eu mesma faço isso. Vire e mexe compartilho frases motivacionais na linha: “força, guerreira”, “estamos juntas”, acompanhadas de poesias de empoderamento feminino ou qualquer coisa desse tipo.
Me julguem, porque minha referência de infância é o filme da Xuxa Lua de Cristal cuja música chiclete versa sobre “tudo pode ser, só basta acreditar”, ou seja, sou a primeira a fazer a autocrítica de que sim, também sou a positiva tóxica.
Mas estou cansada dessa pressão e talvez você também esteja. No momento que escrevo essa coluna, o dia está meio bosta, eu estou cansada e mais uma vez não consegui fazer tudo o que eu pretendia.
Em momentos assim, eu flerto entre ficar em posição fetal, chorando até pegar no sono, ou sair correndo gritando pela rua: “eu não aguento mais!”. Mas eu faço o que? Digo para mim mesma: “força, guerreira”, “você dá conta“. Não me permito cair, porque até para isso é preciso tempo, coisa que não temos por aqui.
Olha que violento: nem tempo para viver nossos momentos de crises existenciais temos tido. A moda é ser resiliente, que é a arte de ter paciência e não se estressar, contar até dez diante das adversidades da vida. Mas como eu tenho dificuldades em seguir tendências, por dentro estou queimando em brasa e com vontade de explodir coisas (é só uma figura de linguagem, pessoal!). Também consumo essas frases motivacionais, me sinto frustrada quando falho miseravelmente e minha única vontade é mandar alguém ir à merda.
Olha que loucura, eu me frustro porque não consigo domar a raiva que tenho dentro de mim e fico com mais raiva ainda. Contra fatos não há argumentos: parei de tentar porque é muita frustração para lidar. Às vezes não há o que ser feito a não sentir a raiva e mandar pessoas para aquele lugar.
Buda que me perdoe, Gandhi também, mas eu não evoluí o suficiente para lidar com esses sentimentos apenas meditando ou ouvindo mantras. E olha que eu sou dessa turma. Até yoga já fiz. Também tomo chás, acendo incensos e tudo mais, mas nem sempre resolve.
Convenhamos que estar sempre no controle nesse mundo cão — repito, sendo mulher e pobre — é tarefa quase impossível (se você consegue, me dá as dicas)
Todas as vezes que eu senti raiva, tristeza e frustração isso também me levou para algum lugar: o fundo do poço (hahaha). Mas, depois de ir para lá e abraçar e xingar a Samara — referência ao filme O Chamado —, voltei e a vida seguiu o fluxo de sempre.
Em um episódio do podcast Conversa de Portão com a Pam Ribeiro, que tem como ofício ser bruxa e subverter algumas ordens, ela me disse uma frase que fez sentido sobre abraçarmos nossas tristezas. “Podem surgir alguns medos e inseguranças e situações de sentimento, que antes nem reconhecíamos, mas não acho que temos que nos culpar por acessar nossas ‘sombras’; é sobre reconhecer que elas existem e não deixar que elas nos determinem.”
Até entendo que o clima good vibes propagado sobretudo nas redes sociais, é um fio de esperança de que dias melhores virão. Mas até que ponto isso tem consonância com a realidade ou só está nos anestesiando?
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