O audiovisual no Brasil sempre foi dominado pela branquitude e, ainda que nos últimos anos as pessoas negras tenham conquistado mais espaços, há muito o que melhorar. Essas afirmações da cineasta e jornalista do Amapá Rayane Penha, de 26 anos, ecoam dados da pesquisa Raça e Gênero no Cinema Brasileiro.
O trabalho feito pelo Grupo de Estudos Multidisciplinar (Gemaa) da Universidade Estadual do Rio (Uerj) avaliou 240 filmes nacionais produzidos entre 1995 e 2018. Desses, 84% foram dirigidos por homens brancos — que aparecem também à frente de 71% dos roteiros e 49% dos personagens retratados, seguidos de mulheres brancas e homens negros. Entre diretores e roteiristas, não foram encontradas profissionais pretas. Nos elencos, elas também são a minoria da minoria.
Para Rayane, as pessoas negras sempre trabalharam na realização de filmes, o problema é a falta de visibilidade. Ela ressalta, porém, que nos últimos anos os festivais, têm sido essenciais para articular, estimular e impulsionar produções pretas. Um exemplo Encontro de Cinema Zózimo Bulbul — Zózimo é o nome artístico de Jorge da Silva (1937-2013), considerado um dos precursores do cinema afro-brasileiro.
“Ser negro não é só o que é construído como identidade no eixo do sudeste”, diz Rayane. “Ser negro no nordeste, norte e centro-oeste é diferente, porque também somos atravessados por outras identidades, culturas e narrativas. Meus filmes trazem a narrativa do meu território e infelizmente sinto que esse lugar é rejeitado, porque as pessoas não compreenderem que meu lugar enquanto pessoa negra é muito diferente do que é no Sudeste.”
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Rayane Penha dirigiu Utopia, melhor filme na quarta edição do festival de cinema Olhar do Norte e indicado ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. A obra retrata trabalhadores do garimpo a partir da história de Raimundo Penha, pai de Rayane, falecido em 2017
“Precisamos consumir, divulgar e apoiar as produções locais, principalmente aquelas feitas por pessoas negras”, defende Rayane. “Uma das maiores dificuldades que a gente tem é ser aceito dentro do nosso próprio lugar. Sou uma mulher negra que veio de comunidade ribeirinha do interior do Amapá. É difícil acompanhar esses espaços, me integrar no meio deles e não abrir mão da narrativa. Mas sinto que estamos começando a quebrar isso.”
Estímulo e reconhecimento — Além do Encontro de Cinema Zózimo Bulbul, outros eventos pelo Brasil têm promovido a cinematografia afro-brasileira. Na terceira edição, em abril de 2022, a Semana do Audiovisual Negro. Realizado em abril no estado de Pernambuco, a terceira edição do evento ofereceu ao público debates, atividades de formação e exibições de filmes produzidos por pessoas pretas e indígenas. “Foi um convite a novos olhares”, diz Jota Carmo, coordenadora de educação da Semana. Jota também é diretora e roteirista e autora do curta-metragem Aflora. A cineasta lembra que o cinema feito pela comunidade negra não é neutro. “A neutralidade não existe. A gente precisa evidenciar isso no nosso cotidiano. Precisamos de mais eventos que fortaleçam e acreditem em nossos projetos.”