Quantas pessoas precisam passar pelas nossas vidas para nos tornar o que somos hoje? E, quando se fala de arte, quais artistas são essenciais aquilo que está dentro de nós para o mundo? No caso de Patrick Torres, escritor brasileiro e produtor de conteúdo, o contato com a literatura foi descrito como uma “virada de chave” não só para o que ele faz, mas também sobre quem é.
Assim como muitos jovens inclinados às artes e educação, Patrick teve uma infância e pré-adolescência regada de palavras e textos – mas que até aquele momento não expressavam muita significância na sua vida. A mudança, essencial em qualquer narrativa de jornada do herói, acontece quando ele precisa sair da sua zona de conforto – neste caso, em Brejo do Piauí, pequena cidade de pouco mais de 4 mil habitantes, no interior do Estado – e trilhar novos caminhos em terras “tão tão distantes”: a faculdade de Medicina na Universidade Federal de Minas Gerais.
O encontro consigo mesmo veio quase que ao mesmo tempo com a leitura e escrita – praticamente duas irmãs de arte que andaram juntas durante todo o processo de ser e amadurecer de Patrick. O contato com a literatura nacional, desde os clássicos até os contemporâneos, mostrou ao jovem que, assim como os escritores buscavam seus respectivos refúgios, ele também teria o dele. “Minha relação com a escrita surge no momento em que eu percebo a escrita como arte, como veículo de expressão do ‘eu”, explica. “Quando eu me torno leitor, eu descubro a escrita como ferramenta de expressão. (…) Mais do que contar uma história eu via que os autores queriam expressar algo. E eu logo vi que, dentre os muitos lugares da arte onde eu ia descobrindo que podia existir, a escrita se mostrou algo que estava na minha vida há certo tempo, quando eu percebi que talvez aquele fosse ali meu lugar de existência artística”.
Estreia — Assim nasceu seu primeiro livro, O cozer das pedras, o roer dos ossos, lançado em agosto passado, pela editora Astral Cultura. A obra, conta ele, tem muito de si mesmo e sua história, ao mesmo tempo em que fantasia nessa busca por um conforto e acalanto, fora da vida real. Contudo, esse “lugar seguro” promovido pela ideia de ficção dá espaço também para discussões atuais e muitos pontos sensíveis – até mesmo difíceis – de digerir. A trama se passa na caatinga nordestina, onde narra a história de Mirto, do pai Germão e da mãe, Dona Hermina, em uma jornada de perdão e reencontro entre os personagens. Em uma de suas publicações nas redes sociais, Torres já deixa avisado o que se pode esperar desse cenário: “Preciso adiantar-lhes que escrevi um livro triste. Esta história é uma tragédia”.
A obra, que surgiu primeiramente como um rascunho do prólogo, foi “gerada” por Patrick, como ele descreve, ao mesmo tempo que o autor se conectou mais consigo mesmo. Uma curiosidade, inclusive, é que o futuro daquele escrito ainda era incerto – até mesmo no primeiro capítulo, em que possui uma narrativa mais fechada, que poderia se acabar ali mesmo. “Eu vou escrevendo sem saber onde vou chegar. E aí, quando o livro vem, ele mesmo vai me contando uns insights sobre para onde ele quer ir. Vou vivendo um processo em que estou apto a escrever e aí o livro vai brotando”, descreve o autor sobre o seu processo com a obra de estreia.
A ideia de trazer O cozer as pedras, o moer dos ossos também vem a partir de colocar mais uma arte no mundo, sem a finalidade de vencer ou atingir o topo das listas de mais vendidos – algo que Patrick rebate como o já pré-estabelecido como “sucesso” na indústria, hegemonicamente branca e colonial. “Não escrevo na intenção de realizar um produto. Mas o que eu faço é escrever porque preciso: a escrita é algo que eu preciso fazer e eu quero fazer para o resto da minha vida. Porque eu necessito elaborar o que sinto e ficcionar também o sinto, para tornar algo mais lúdico, às vezes, para elaborar de outras maneiras. Então a escrita é o lugar onde vou refletir sobre a minha própria vida”.
Regionalismo para quem? — Considerado “piauiense-mineiro”, Patrick Torres usa da sua voz para defender e propagar ainda mais a literatura brasileira, principalmente a considerada regionalista. Em entrevista, ele cita o livro O Quinze, escrito por Rachel de Queiroz, considerado um dos grandes clássicos nacionais, que encabeça o ranking de obras favoritas. Na obra, o leitor acompanha a vida de Vicente, Conceição, Chico Bento e família, que sofrem os atravessamentos causados por recortes de classe e raça, em meio à grande seca de 1915. A diáspora dos nordestinos ao sudeste é o ponto chave do livro, o qual de certa forma, se aproxima também da história de Patrick: um rapaz negro de cidade do interior que precisou deixar seu local de nascença para trilhar outros caminhos no país.
A ligação entre o nordeste e o autor é algo presente como cenário no O cozer das pedras, o moer dos ossos, e também em sua próxima obra – que ainda está em andamento. Patrick classifica para si a ‘literatura regional’, mas também questiona o termo identitário – que não abrange a diversidade da região. “[A literatura regional] é para dar identidade. Gosto de dizer que meu texto é regional. Falo de um lugar e por um lugar. Não quero ser entendido como um escritor global. Quero que minha literatura e a literatura nordestina sejam vistas como global, mas as pessoas não podem tirar dela o significado que é falar de um lugar”, diz. “O nordeste é tão característico, tão rico e tão específico porque ele tem suas particularidades”, defende. “Quero dizer isso: olha, venho desse lugar, mas não me botem em ‘caixinhas’ e estereótipos”.