As inscrições para o Exame Nacional do Ensino Médio 2021 encerraram no último dia 14 de julho e, embora o país esteja progressivamente aumentando a cobertura vacinal, muitos resquícios sociais e econômicos da pandemia continuam a afetar profundamente o setor da Educação.
Reportagem de Eduarda Nunes, Favela em Pauta, no Rio de Janeiro
Já são 16 meses (e contando) de transformações em decorrência do isolamento social — e essas mudanças deixam marcas latentes no acesso ao ensino superior de jovens e adultos periféricos. A migração do modelo de aula para as plataformas online evidencia a exclusão digital. Segundo dados da pesquisa sobre o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nos Domicílios Brasileiros, a TIC Domicílio 2019, 59% das casas brasileiras das classes D e E não têm acesso à internet e dentre as que acessam essa tecnologia, 85% têm apenas o celular como dispositivo de uso. Geralmente um aparelho é compartilhado entre a família inteira.
INTERNET EM CASA Classes D e E 59% SIM_ _41% NÃO_ _85% das que têm SÓ USAM O CELULAR
Fonte: TIC Domicílio 2019
Várias iniciativas, a exemplo da campanha 4G para estudar — que distribuiu pacotes de 4G para estudantes de pré-vestibulares comunitários em todo o Brasil —, fizeram o possível para viabilizar que os estudantes das periferias pudessem continuar seus estudos de alguma forma durante a pandemia. Mesmo assim, o contexto social geral de dificuldades de prevenção ao vírus e de geração de renda pesou mais.
Ainda falando sobre os dados, o Inquérito Nacional sobre Segurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19, desenvolvido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede Penssan), revelou que em 2020 houve um aumento de 54% de domicílios em situação de insegurança alimentar em relação a 2018. Atualmente, são 55,2% da população brasileira e 9% do país, ou seja, 19 milhões de brasileiros, estão passando fome.
INSEGURANÇA ALIMENTAR Aumentou 54% em relação a 2018 Quase 20 milhões de brasileiros passam fome Isso corresponde a 55,2% da população
Fonte: Inquérito Nacional sobre Segurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19
Dificuldades estruturais — Para chegar à universidade existe uma trajetória educacional que exige, sobretudo, condições básicas para que o jovem consiga estudar e ter um bom desempenho na escola, nos vestibulares e no Enem, afirma a socióloga Hallana de Carvalho. Além do esforço próprio dos estudantes, a chegada depende também de fatores que vão desde o incentivo familiar até questões estruturais, como o acesso à internet, luz, saneamento básico, espaço adequado para estudo, alimentação etc.. “Para muitas famílias, antes mesmo da pandemia, o acesso à essa estrutura mínima já era precário”, afirma Hallana.
Mestra em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco e pesquisadora na área de políticas afirmativas no acesso ao Ensino Superior, Hallana diz que as escolas têm função importante na minimização dessas desigualdades estruturais. Salas de aula, bibliotecas, laboratórios e merendas são um suporte fundamental para quem não dispõe dos recursos mínimos.
As dificuldades estruturais são uma realidade que Gilson Rodrigues Jr. testemunha no dia a dia. Ele é doutor em Antropologia e professor do Instituto Federal do Rio Grande do Norte. Trabalha atualmente no campus de Pau dos Ferros, interior do estado, e dá aula para estudantes do ensino médio vindos também das zonas rurais do Ceará e da Paraíba. “Temos alunos que, para fazer seus trabalhos, passam o dia no IF porque não têm computador ou acesso à internet, seja por não tem condições financeiras, seja por que na área rural não há cobertura”, conta o antropólogo.
Nas aulas à distância, a desigualdade fica explicita. “Tem aluno que se estivesse no presencial teria acesso pleno a todo o ensino, mas agora ele, infelizmente, fica prejudicado por não ter conectividade constante”, diz Gilson. “Quem é este aluno que vai ser escanteado, marginalizado? É o aluno pobre que geralmente é negro, indígena ou quilombola.”
Políticas públicas — Algumas universidades têm publicado editais para estudantes em vulnerabilidade social, mas ainda há um número expressivo de estudantes que não conseguem se matricular porque não têm internet. “Existe a necessidade de elaboração de políticas públicas que visem minimizar os efeitos da pandemia nas realizações educacionais de crianças e jovens das classes populares, dando ênfase principalmente aos jovens que cursam o ensino médio”, diz a socióloga Hallana de Carvalho.
O que houve com o Enem? — Segundo o Inep, o Enem 2020, realizado em janeiro de 2021, teve o maior número de abstenção de toda a história do exame com 51,5% e episódios como os de estudantes sendo impedidos de realizar a prova por conta da lotação das salas. Mesmo assim, o ministro da Educação Milton Ribeiro considerou a edição um sucesso e creditou à imprensa parte da responsabilidade no alto número de abstenções. Segundo Ribeiro, houve um trabalho contrário à realização do exame.
- Campanha 4G para estudar distribuiu pacotes de acesso à internet para estudantes de pré-vestibulares comunitários em todo o Brasil
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