É engraçado como nossa memória funciona, o que acabamos guardando ou esquecendo inconscientemente. Aos 5, morava eu e minha mãe na casa dos meus avós na periferia de Belo Horizonte. Posso não lembrar tanto da minha infância, mas lembro claramente de quando eu tinha mais ou menos essa idade e gastava horas do meu dia brincando e cavando a terra do quintal na busca por moedas antigas. Surpreendentemente, não era em vão, já que por algum motivo desconhecido até hoje, tinham várias e eu me sentia a própria pirata em busca do tesouro perdido.
Quando achava, ia correndo para o tanque lavar as moedas e gritava feliz para minha avó anunciando o achado, acreditando que estava em posse de algo que me deixaria muito rica algum dia. Até que um dia, esse ato coincidiu com a passagem de um helicóptero por cima da casa. Meu avô, sem deixar a oportunidade passar, chegou pertinho de mim, apontou para o helicóptero e sussurrou no meu ouvido, como quem estava me passando uma informação muito importante: “Tá vendo esse helicóptero? Ele é da polícia, hein! Tão buscando gente que faz lavagem de dinheiro! Vão pegar você e te prender!”. Saí chorando aos prantos por entender que estava, de fato, lavando o dinheiro, enquanto meus avós caiam na gargalhada rindo do meu desespero.
Mas, bem, o que essa história – na época traumática, mas hoje cômica – tem a ver com criptomoedas? Hoje em dia, cada vez mais, as transações financeiras estão sendo digitalizadas e o dinheiro físico está diminuindo sua participação nas transações do dia a dia. As notas, moedas e os cofrinhos estão ficando em desuso e hoje temos várias ferramentas que facilitam esse processo, como o Pix por exemplo. Vai ficar cada vez mais difícil para as próximas gerações achar moedas perdidas no fundo do quintal.
Mês passado publicamos uma coluna chamada “Quero investir meu dinheiro. Por onde começar?”. Agora vamos falar sobre umas das primeiras perguntas que surgem quando falamos sobre investimento: “E essa tal de Bitcoin, hein? Como funciona?”. Já aqui por Minas Gerais escutamos “que trem é esse?”. É sobre isso que quero discutir com você aqui!
Mas atenção: isso não é uma recomendação de investimentos e minha proposta aqui não é dizer quando, como, quanto ou onde deve investir o seu dinheiro. Provavelmente, você vai sair com mais dúvidas do que quando entrou. Isso vai mostrar quem tem mais consciência da complexidade do assunto do que tinha antes. Quero que fique em paz em relação a isso, porque uma coisa eu te garanto: com certeza, sairá daqui sabendo muito mais sobre do que a maior parte da população!
Fica aqui comigo e vamos juntos desvendar o mundo das criptos.
CRIPTOMOEDAS
Em algum momento dos últimos anos você já deve ter escutado as palavras bitcoin e/ou criptomoeda. O que ninguém parece conseguir explicar de forma simples e direta é o que são e como funcionam
A bitcoin é a primeira criptomoeda criada — por criptomoeda entendemos uma espécie de moeda digital que utiliza a criptografia e a blockchain como uma forma de validação das transações
Opa, opa, opa. Muita palavra difícil por aqui. Vamos aos poucos.
Todo dinheiro é uma questão de fé. O que faz com que a mercearia do lado da minha casa aceite me dar um biscoito em troca de uma nota de dois reais? É a crença de que ele vai poder pegar essa nota e comprar uma meia, por exemplo.
Para o dinheiro funcionar, muita gente tem que acreditar nele. O real, a nossa moeda brasileira, é garantida e emitida pelo nosso governo e, por isso, confiamos em seu valor. O que acontece quando perdemos a fé na moeda? Seu valor cai ou ela morre. Por exemplo, acreditando que R$2 não bastaria mais para comprar uma meia, o dono da mercearia aumenta o preço do biscoito para R$5. Esse é o caso da inflação. Nas décadas de 1980/1990 a inflação estava tão forte aqui no Brasil, que constantemente eram criadas outras moedas para substituir a anterior, como o cruzado, cruzeiro etc.
Todo dinheiro é uma questão de fé
Mas e no caso da bitcoin?
Em 2008, os Estados Unidos estavam em uma crise financeira e, como resposta a essa crise, uma pessoa que se denominou como Satoshi Nakamoto lançou a Bitcoin em 2009. Até hoje, ninguém sabe quem é ou foi essa pessoa, se era mesmo uma pessoa só ou um grupo de programadores. Mas de acordo com o documento divulgado em seu lançamento, assinado pelo Nakamoto, a ideia era criar uma moeda que não fosse controlada pelo governo, de forma que não ficasse tão vulnerável a crises como foi no caso dos EUA.
Daí vem a criptografia e a blockchain. Sabe aquela listinha do dono da mercearia que anota tudo o que foi comprado no dia e por quanto? Isso significa que ele está registrando que tem menos um biscoito em seu estoque e mais R$2 em seu caixa, por exemplo. A blockchain funciona mais ou menos assim.
“Block” significa bloco e “chain” significa corrente (tradução livre). É como se o bloco fosse uma folha cheia dessas anotações, ou seja, o registro das transações. A diferença da blockchain é que todos os blocos contêm todas as novas compras e vendas mais todas as transações de todos os blocos anteriores, formando uma corrente. Já a criptografia seria como se o comerciante criasse símbolos que só ele entendesse, para que outras pessoas não soubessem exatamente quem comprou o quê e por quanto.
É isso que faz com que seja tão difícil — se não impossível — alguém “hackear” a rede bitcoin, já que para isso não seria suficiente modificar apenas o último bloco, seria necessário modificar também todos os anteriores, que são milhares.
Esse tipo de tecnologia favoreceu o crescimento do mercado de criptomoedas, que se deu, no primeiro momento, principalmente em mercados clandestinos, pois acreditava-se que transações por criptomoedas não poderiam ser rastreadas (o que, diga-se de passagem, não é verdade). Neste mercado sim, rolava lavagem de dinheiro mesmo. Bem diferente de quando eu limpava as moedas que encontrava no quintal.
Hoje em dia, a bitcoin já é aceita até como pagamento em hotéis de luxo. Porém, em alguns países, transações com criptomoedas são proibidas, como na China. A tecnologia é relativamente nova e ainda há muita coisa sendo discutida sobre sua regulamentação, validade, valor e, principalmente, sobre seu futuro, já que seu passado é no mínimo, muito curioso. Afinal, se tivéssemos comprado R$ 100 de bitcoin na época de seu lançamento, hoje teríamos algo próximo a R$ 175 milhões.
Mas e aí? Como faz para ter uma bitcoin?
Há dois caminhos: o primeiro é a compra da moeda (seja inteira ou fracionada, ou seja, comprar um milésimo da moeda, por exemplo), já o segundo caminho é o caminho da mineração. A mineração é a resolução de problemas matemáticos super complexos, que caso consiga resolver, o minerador ganha uma fração de bitcoin como recompensa. Para isso é necessário equipamentos que consigam processar e fazer milhares de cálculos por segundo, necessitando uma quantidade enorme de energia elétrica. Diferente do meu caso, aí sim a mineração deixou o minerador muito rico depois de achar o tesouro perdido.
Quais são os riscos envolvidos?
Mas calma. Para quem ficou animado com os últimos números, o primeiro toque é: não adianta chorar pelo leite derramado. O que foi, foi. Não tem volta. O ganho do passado não significa um ganho futuro. Como disse anteriormente, o mundo das criptomoedas ainda é muito incerto e, portanto, arriscado. Muitos fatores podem influenciar em seu valor. Será que outros países proibirão o uso de criptomoedas para transações comerciais como a China? Será que a mercearia aqui do lado de casa vai, algum dia, aceitar criptomoedas como pagamento? Ou os seus tempos de ouro já passaram? Será que a tendência é que mais e mais países aceitem e regulem transações feitas por criptomoedas no futuro? Todas essas perguntas podem influenciar fortemente o seu futuro. Há muitas incertezas envolvidas e, quanto mais incertezas, maior o risco.
Nada garante que as criptomoedas crescerão nos próximos dez anos o que cresceram nos dez anos anteriores. No mundo dos investimentos costumamos dizer que se tem um investimento muito bom e todo mundo já sabe, é porque, muito provavelmente, já passou da hora de investir. O fato de alguém próximo ter ganhado uma grana com isso, não significa que você vá. O caminho para todas essas respostas é o estudo sobre e a decisão, que só você pode tomar, de apostar na queda ou no crescimento da cripto. A única maneira de reduzir os riscos, é estudando muito sobre aquilo que está apostando.
Beleza! Mas se tem tantas incertezas, vale a pena investir em cripto?
Depois do lançamento do Bitcoin e sua popularização, foram surgindo várias outras criptomoedas e para aproveitar as possíveis oportunidades, muita pesquisa é necessária. Como ela surgiu? Quais são as tecnologias envolvidas? Qual seu nível de segurança e seriedade? O quão volátil ela é? Ou seja, o preço dela varia muito? Onde ela já é aceita? Onde é proibida? O que estão falando sobre ela? Essas são algumas perguntas importantes a serem respondidas antes de colocar uma parte do seu dinheiro em cripto.
Muitas pessoas investem em Bitcoin apenas para diversificar seus investimentos, ou seja, compram a moeda com uma parcela muito pequena do seu dinheiro guardado para ter tipos diferentes de investimentos. Outras acreditam que mesmo com os altos e baixos especulativos, ela ainda é uma boa opção para preservar o valor, ou seja, para investimentos de longo prazo. Sei que não é a resposta que esperava, mas infelizmente é a verdade. Não existe resposta pronta no mundo dos investimentos. Isso não significa que não possa encontrar essas respostas por conta própria e tenho certeza de que aqui foi um bom lugar para começar essa sua nova caminhada.
Não existe resposta pronta no mundo dos investimentos
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