Na minha infância, vira e mexe eu era surpreendida com pedidos da minha mãe para ir ao mercado ou na tendinha da esquina comprar alguma coisa que estava faltando em casa. Na hora de pagar, surgia a pergunta: “Crédito ou débito?”. Quando eu esquecia que era crédito, me batia um desespero, o cérebro congelava e eu tinha algo parecido ao piripaque do Chaves. Na inocência, achava que se escolhesse a opção errada ia fazer a dona do cartão perder dinheiro. Mal sabia que, se dissesse “É débito, tio”, a operação seria rejeitada.
Desde muito nova, tive fácil acesso ao crédito, mas não lembro de ter sido incentivada a entender benefícios e malefícios dele pra minha vida. Isso revela a posição de vulnerabilidade que ocupava nesse tema. E é aí que entra a educação financeira. Ela é a ferramenta que nos ensina o uso inteligente do crédito.
A oferta de crédito à pessoa física expandiu consideravelmente a partir de 2003. Por um lado, esse crescimento foi bastante benéfico, porque a classe baixa foi inserida no orçamento público e obteve poder de compra. Isso tornou mais acessível a aquisição de bens, a exemplo de casa própria, eletrodomésticos e móveis. A qualidade de vida dessas pessoas melhorou — porque nenhum desses itens é privilégio, e sim uma necessidade. Por outro lado, infelizmente, faltou sensibilidade por parte do governo em educar financeiramente os cidadãos. Essa seria a forma mais eficaz de dar o suporte necessário para o consumidor praticar o uso consciente do crédito.
Não à toa, nos deparamos repentinamente com notícias sobre o endividamento por cartão de crédito. Para uma grande parcela da população, ele é considerado o vilão do orçamento doméstico. Vim te mostrar que não é bem assim que a banda toca, para você ficar esperto(a) sobre a melhor forma de lidar com o cartão. Vem comigo.
QUANDO O CARTÃO DE CRÉDITO AJUDA
Compra de bens duráveis: o aumento na concessão ao crédito a partir de 2003, no mandato do ex-presidente Lula, levou a famílias de baixa renda condições para comprar bens duráveis — fogão, geladeira, guarda-roupa etc.. Como esses produtos demoram para se desgastar, são itens que só serão comprados de novo após meses, anos ou décadas. Por isso, são mais caros.
Para compras deste tipo, o cartão de crédito é um ótimo aliado. Já que o parcelamento se torna uma opção, ele te dá possibilidade de usufruir o bem, enquanto estiver quitando as parcelas. Isto é, sem a necessidade de ter o valor cheio daquele produto no momento da compra.
Cashback: o cartão de crédito tem uma das maiores cobranças de juros do País e por isso costuma ser associado a perder dinheiro. Mas já foi o tempo em que os consumidores só gastavam e não recebiam nada em troca. Cashback significa “dinheiro de volta”. E a modalidade de compra faz jus ao nome: o cliente tem parte do valor do produto devolvido. Essa quantia varia de empresa para empresa e, normalmente, é calculada uma porcentagem sobre o preço do produto.
Imagine que você comprou um celular de R$ 800 no cartão de crédito que tinha 5% de cashback. Você terá de volta para a conta bancária R$ 40 e no final, pagou R$ 760 pelo celular. Se dá pra pagar menos e ter parte do dinheiro de volta, por que não usar? Na prática, é como se fosse um desconto.
Para usar o cashback no cartão de crédito, verifique primeiro se o seu banco oferece essa transação. Alguns cartões são limitados para compras feitas apenas no aplicativo e outros não estabelecem restrições. Pesquise e veja se faz sentido para você.
Programas de pontos e milhas: certos cartões de crédito dispõem de um programa de pontuação, conhecido como pontos e milhas. Quanto mais você consome mais pontos você acumula.
É mais ou menos assim: a cada vez que você usa a função crédito do seu cartão, são acumulados pontos. Exemplo: se o programa recompensa 1 ponto a cada R$ 5 gastos no cartão, na compra de R$ 500 você obtém 100 pontos. No final, esses pontos podem ser substituídos por produtos ou descontos em diferentes segmentos, como hotéis, restaurantes e passagens aéreas. Cada instituição financeira tem suas condições.
Atenção: os cartões que têm essas utilidades costumam cobrar anuidade — uma tarifa pela prestação de crédito que pode ser paga em parcelas ou uma vez ao ano. Analise se vale a pena.
Entretanto, todo cuidado é pouco. Não saia por aí gastando todo seu dinheiro só pra ganhar pontos. Veja qual despesa vale a pena passar no crédito, leve em conta sua realidade e crie um planejamento para não perder o controle dos seus gastos.
Parcelar compras e antecipar as parcelas para ganhar desconto: muitas vezes, deixamos o parcelamento sem juros de lado para não comprometer o saldo ou pelo risco de perder o controle e nos endividar. Mas já imaginou ganhar descontos e recuperar de forma rápida o limite, antecipando parcelas das compras?
Quem nunca chorou um descontinho quando tem dinheiro pagar à vista? Eu sempre tento jogar meus melhores argumentos para o vendedor(a) aceitar minha proposta, porque me esforcei ao máximo e me privei de várias coisas para poupar o valor necessário. Você deve estar se perguntando o que isso tem haver com a antecipação de parcelas: é a semelhança. Existe um truque para conseguir descontos ao parcelar a compra e adiantar o pagamento. A redução do valor a ser pago é calculada por uma taxa percentual que incide sobre o valor das parcelas e depende das políticas do banco. Exemplo: você tem 12 parcelas de R$ 200 e seu banco oferece o desconto de 0,4% por parcela. Ao antecipar as 12, receberá de volta para o seu bolso R$ 9,60.
[um caso em que parcelar e antecipar pode ser uma boa é se a loja não oferecer desconto à vista]
Antes de pagar adiantado, porém, vale entrar em contato com o banco ou dar uma “fuçada” no aplicativo para checar se no cartão que você usa existe desconto na antecipação. Está feito o convite.
QUANDO O CARTÃO DE CRÉDITO ATRAPALHA
Compras de bens não duráveis: a característica principal desses itens é o consumo imediato, de curta duração. O café que você toma todos os dias; o biscoitinho que dura pouco tempo na dispensa. Alimentos têm de ser comprados com regularidade.
Merece cautela, portanto, usar crédito parcelado nas compras de mercado. Quando vier a parcela no mês seguinte, já será preciso fazer compras de novo.
Tem também o gasto supérfluo, que é o oposto do essencial. A cervejinha gelada, aquele petisco divino. Educação financeira não é sobre ser pão-duro ou deixar de aproveitar momentos de lazer. O problema é pagar no crédito itens momentâneos que comprometem a renda futura.
Se você tem o hábito de fazer isso, não é minha intenção julgar. Pelo contrário. Estou aqui para mostrar possibilidades. Você vai ver se elas fazem sentido na sua realidade ou não.
Meu objetivo é estimular uma reflexão em cima do que pode colocar em risco a sua renda. Bens não duráveis e supérfluos tendem a ficar "invisíveis" no cartão de crédito e, no fim, virar uma dívida mais alta do que esperava. Avalie os gastos de maior importância na sua vida.
Usar o crédito como complemento de renda: de 0 a 10, onde 10 é a nota máxima na categoria “prejudicial para suas finanças”, isso vale 11. Mas podemos evitar que aconteça.
Imagine uma renda mensal de R$ 1.000 e estilo de vida de R$ 1.200. Você não só gasta o salário inteiro no mês, como usa crédito para passar mais R$ 200. Assim, fica inevitável usar o cartão para completar o orçamento. Fazemos isso sem perceber. Assumimos a postura de “ah, pago com a renda do mês que vem”. Mas isso pode ser bem perigoso.
No primeiro mês, você gasta tudo e recorre a R$ 200 no crédito. No segundo, como já passou R$ 200 no anterior, tem R$ 800 do salário para gastar. Contudo, seu estilo de vida é de R$ 1.200, então vai precisar usar R$ 400 no crédito. Se continuar desse jeito, não vai demorar muito virar confusão. É o efeito “bola de neve”.
Ao não conseguir arcar com os compromissos, talvez pense em recorrer ao parcelamento da fatura ou pagar o mínimo e entrar no rotativo. Mas isso te submete a altas taxas de juros e gera a sensação pela qual muitas pessoas passam: pegam X reais emprestado e pagam 3 vezes X no final.
Se você perceber que sua conta fica zerada no meio do mês e o cartão de crédito entra para dar conta das despesas que faltam, alerta vermelho.
Usar mais de um cartão: o ideal é ter só um cartão ou, no máximo, dois (em algumas ocasiões). Além do controle das faturas, tendo em vista o orçamento futuro, um ponto de atenção valioso é a data de fechamento e a data de vencimento da fatura.
A data de fechamento é o último dia dentro do período de um mês, no qual as compras feitas e as contas pagas com o cartão resultam no valor total da fatura. Se você fizer algum gasto nesse dia e for processado nesse mesmo dia, ele entra na fatura do mês correspondente. Os gastos feitos a partir daí ficam para a próxima fatura.
Tendo mais de um cartão, o risco de confundir as datas de fechamento e vencimento é alto. Acompanhe os gastos e faça anotações para deixar o processo mais eficiente e não ter uma surpresa ruim
Espero ter sanado suas dúvidas, encorajando você a agir como um agente multiplicador de conhecimento, repassando tudo o que foi explorado aqui para as pessoas ao seu redor.
Espero que eu tenha contribuído para desmitificar crenças em relação às aquisições com cartão de crédito.
Leve as dicas ao seu dia a dia e aprecie o uso do crédito mais consciente. 😉
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Eu sempre tenho cartão crédito, mas cuido muito das minhas compras, sempre pago em dia minhas faturas para não pagar juros. Acho que esse é o certo. O cartão serve demais, pois pode parcelar as compras.