A fragilidade dos acessos dificulta a vida dos empreendedores locais e prejudica ainda mais o ensino remoto nas comunidades
Morador do Complexo da Penha, zona norte do Rio de Janeiro, João Paulo trabalha no comércio de eletrodomésticos e a instabilidade da internet impacta direta e negativamente na renda mensal do seu empreendimento. “A comunicação que tenho com o cliente é direto pelo zap e, quando o sinal da cai, eu perco vendas, oportunidades. Resumindo, dinheiro”, diz. João conta que os serviços estão piores na pandemia. Se antes o sinal caía algumas vezes durante o dia, hoje fica instável por horas. A queixa do comerciante tem sido comum no Brasil.
Dados de 2020 da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) registram aumento de 31,6% nas reclamações nos canais que oferecem internet
A internet é uma presença integrada ao cotidiano da sociedade. Entre outras oportunidades de acesso à informação e conhecimento, comunicação, produtos e serviços, as plataformas digitais oferecem possibilidades de capacitação, trabalho e estudo remoto — e consequente melhora na empregabilidade e na ascensão financeira. Por isso, a inexistência ou a pouca eficiência de conexão representa um aumento significativo na desigualdade social de um país.
De acordo com uma pesquisa do Instituto Locomotiva, o acesso à internet é ruim em 43% das favelas brasileiras. Além disso, a desconexão contribui para o isolamento da população favelada quando os assuntos são relacionados aos direitos humanos.
Desde 2011, a Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que a internet é um direito humano
Estrutura — Os índices de desigualdade no mundo digital também se refletem no aparelho que os moradores de zonas periféricas utilizam para acessar os serviços na internet. Ainda segundo a pesquisa do Instituto Locomotiva, 83% da população mais rica (classes A e B) tem computador em casa, os números caem para 44% nas faixas D e E. Quando o recorte se concentra nas favelas, o número despenca para 20%. E mais: 8% dos estudantes brancos não estão assistindo aulas online na pandemia — o índice vai a 26% entre os negros, sendo que desses 29% não têm computador.
No Rio Grande do Sul, especificamente no bairro de Vila Ipiranga em Porto Alegre, vive Carlos Alberto. Ele usa o celular para estudar, mas a instabilidade dificulta o acesso às plataformas que transmitem os conteúdos. Carlos trabalha com materiais recicláveis e no tempo livre se prepara para concursos públicos. “A maioria das aulas é em vídeo, então, quando o sinal cai ou tá fraco, eu não consigo assistir”, diz.
Uso de computador* e/ou celular para acessar a internet Público: crianças e adolescentes de 9 a 17 anos computador classe DE 1% classe C 2% classe AB 1% celular classe DE 73% classe C 59% classe AB 25% celular e computador classe DE 20% classe C 37% classe AB 74%
*notebook, desktop ou tablet. Fonte: DataFavela/TIC Kids Online 2019
Cobertura insuficiente — É importante ressaltar que, segundo as regras da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a cobertura de serviço de telefonia móvel tem de atingir 80% da área urbana nos municípios do Brasil. A Anatel ainda disponibiliza um painel de conectividade dos municípios e estados. Em Porto Alegre, por exemplo, a plataforma aponta que 99,8% dos domicílios possuem cobertura do sinal de internet. Já no Rio de Janeiro, o site indica uma cobertura de 98,3%.
A determinação também obriga que cada operadora de telefonia ofereça em suas plataformas digitais os mapas atualizados dos locais onde há instabilidade no sinal e a definição das regiões conhecidas como “zonas de sombra” – áreas com baixo ou nenhum sinal devido a presença de obstáculos que afetam a conexão do aparelho de celular com a antena.
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