Franco da Rocha foi o município mais atingido entre as seis cidades da Grande São Paulo que sofreram alagamentos e deslizamentos nos últimos dias: 15 pessoas morreram. Segundo a Defesa Civil, mais de 230 moradias estão em áreas de risco. O projeto para remover as famílias e evitar novas mortes ainda não saiu do papel.
No último domingo de janeiro, dia 30, depois de fortes chuvas, a parte baixa de Franco da Rocha ficou alagada e o bairro periférico Parque Paulista registrou os piores deslizamentos de terra. O professor Bernardo Carvalho, que mora no local, acordou assustado com o barulho de helicópteros. Olhou pela janela e viu vizinhos desesperados, gritando, correndo. “Parecia uma avalanche, nunca vi nada parecido, foi um evento extremo”, diz Bernardo. Ele cedeu ao Expresso na Perifa as fotos que ilustram esta reportagem. “Quando cheguei ao local já tinha muita gente ajudando os bombeiros, os vizinhos ajudaram muito”.
Líder comunitária na região, Chaiane Ezequiel da Silva Mendes conta que seus familiares perderam tudo na enchente, como os móveis e materiais de trabalho de seus comércios. “Na casa da minha avó, a mais baixa do terreno, o nível de água chegou a um 1,80 metro de altura”, diz.
Chaiane afirma que a prefeitura só limpou o local dois dias depois. “A água baixou, mas a lama ficou, e os próprios moradores tiveram que se virar”, completa. Outros lugares na região ainda correm risco de deslizamentos. Chaiane mora em um morro e diz que nada está sendo feito com as famílias desses lugares. “O certo seria remover as pessoas para um lugar seguro.”.
Na região, grupos de jovens e líderes comunitários estão organizando um mutirão de doações para quem teve prejuízos
De acordo com o doutor em geografia física Felipe Augusto Scudeller Zanatta, terrenos de muita inclinação, ou no entorno deles, estão sujeitos nos períodos chuvosos a deslizamentos e escorregamento, os chamados de movimentos de massa. Zanatta explica que, como no Brasil o período quente e úmido tem chuvas que se estendem por meses, do final do ano até março, essas áreas nunca deveriam ser ocupadas. “É de conhecimento científico, técnico e da legislação ambiental que essas áreas têm de ser preservadas pela instabilidade natural delas no período chuvoso. A ocupação aumenta a frequência desses eventos nesses terrenos.”
A questão trazida pelo geógrafo é sabida pelo poder público, mas segundo um levantamento feito pela Globonews, o governo estadual usa uma parte muito inferior da verba aprovada pela Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo para infraestrutura hídrica e combate a enchentes.
Foram 11 anos de investimentos abaixo do nível planejado pelo próprio Executivo, mostra o levantamento. Por outro lado, os dados oficiais mostram que, só nos últimos seis anos, mais de cem pessoas morreram por causa das chuvas na Grande São Paulo.
Temos há décadas exemplos de que essas áreas são instáveis. Todos os anos assistimos esses deslizamentos vitimando pessoas, sobretudo de baixa renda, e destruindo infraestrutura urbana, trazendo prejuízos imensos ao poder público e às famílias (Felipe Augusto Scudeller Zanatta, geógrafo)
Para ele, há um descaso quanto à política habitacional, que, em suas palavras, é extremamente restritiva à classe trabalhadora que muitas vezes só vê como alternativa ocupar esses terrenos irregulares e sem valor imobiliário, como beira de rios e terrenos inclinados. “O poder público deixa o mercado imobiliária cada vez mais excluir as pessoas do acesso à moradia digna, como manda a Constituição Federal”, emenda.
A reportagem tentou contato com a prefeitura de Franco da Rocha com pedidos de resposta sobre o andamento dos trabalhos e se são pensadas políticas públicas para evitar tragédias futuras. Não houve resposta até a publicação deste texto. O espaço segue aberto e será atualizado se a administração responder.
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