Quem anda pelo Mercado-Ver-o-Peso, em Belém (PA), respira cultura e arte em um ambiente que reflete a mistura de comidas, sotaques, artesanatos e sons da região norte do País. Ponto emblemático do turismo e da economia local, o mercado é um dos endereços da capital paraense que já recebeu shows do grupo Os Falsos do Carimbó.
Conhecido por combinar futebol ao carimbó, ritmo típico paraense, o conjunto também se apresentou em transportes públicos e na Praça da República, perto da Basílica de Nossa Senhora de Nazaré. “Somos militantes da cultura popular e tocávamos em locais públicos no famoso ‘mangueio’ [ato de ir para ruas tocar em troca de dinheiro]. Fizemos da rua nosso palco, mas sem pretensão de formar grupo. Era mais pra garantir o corre da sobrevivência”, diz Hugo Caetano, um dos integrantes.
Os Falsos têm na formação Melk Moraes, Hugo Caetano e Lucas Di Freitas — que são primos —, Samara Cheetara, Arilson DiPreto e Jhon Machado, além das produtoras Bruna Suelen e Ana Oliveira. Todo mundo é de Icoaraci, uma região de belas praias de rio, muito suingue e leveza a 20 quilômetros de Belém. “A gente teve a sorte de nascer em Icoaraci, um território rico em cultura popular”, diz Hugo. “Lá fica o Espaço Cultural Coisas de Negro com uma cena de carimbó de mais de 20 anos. Em 2016, a gente começa a tocar carimbó interagindo com a galera que toca no Coisas de Negro. São nossos mestres e mestras.”
Somos militantes da cultura popular e tocávamos em locais públicos no famoso ‘mangueio’ [ato de ir para ruas tocar em troca de dinheiro]. Fizemos da rua nosso palco, mas sem pretensão de formar grupo. Era mais pra garantir o corre da sobrevivência (Hugo Caetano, do grupo Os Falsos do Carimbó)
Em 2019 veio o nome oficial, Os Falsos do Carimbó, quando ficou mais claro para todos que era o momento de organizar sob essa marca e identidade suas composições autorais, experimentos e participações ao lado de grandes mestres do ritmo.
Questão de tempo — A pandemia de Covid-19 freou um pouco os planos dos Falsos, mas mesmo assim a criatividade fluiu. “Gravamos de um EP autoral nesse período e estreamos o single De Cima do Rio Maguarí, uma música que demarca o território criativo do grupo. Saímos das ruas e dos ônibus, pros palcos e, agora, os streamings”, destaca Hugo.
Não há verdade no nome dos Falsos. A verdade desse grupo está no som, e principalmente, na vivência. Acreditamos que o carimbó não é apenas como um ritmo ou estilo musical, mas um pensamento, uma forma de ver o mundo (Hugo Caetano, do grupo Os Falsos do Carimbó)
Hugo explica que pensar o carimbó é entendê-lo como um ritmo diverso e saber que cada região do Pará onde se toca carimbó tem suas particularidades, podendo misturar samba, forró e MPB, por exemplo. “O Luizinho Lins, que é um músico do Coisas de Negro, diz que no palco a gente regionaliza o que é global. A gente gosta de tocar de tudo. Nos ensaios rola Jorge Ben, Tim Maia, Raul Seixas, João Gomes e Zé Vaqueiro. Mistura tudo, e no fim, o resultado é sempre carimbó. A gente toca de tudo, mas tudo que a gente toca vira carimbó.”
Inspirações — Além dos cantores famosos, há muitas inspirações para que os Falsos agitem a galera em suas apresentações pelos palcos. “Os mestres e mestras do carimbó de Icoaraci são nossa maior influência. É por causa deles que a gente toca. Somos fruto da cena que eles ajudaram a construir e são vários: Ney Lima Pela Paz, Luís Pontes (do grupo Estrela do Norte) e o Mestre Diquinho. Pra mim ele é o maior compositor da música brasileira dividindo o pódio com Mano Brown e Chico Buarque”, diz Hugo.
Diante dos novos caminhos que se apresentam na retomada da cena cultural após a pandemia, há muitos projetos sendo executados. O grupo gravou cinco faixas pra um EP chamado Caratateua – Icoaraci. Esse trabalho deve sair em vários formatos, o que inclui um zine lançado na feira Panamazônica do Livro e que tem as letras das músicas e ilustrações.
Caminhos — Fama, viagens e dinheiro até podem ser o curso natural das coisas para o grupo, a seu tempo. Por enquanto, porém, Os Falsos do Carimbó querem fortalecer sua imagem dentro do Pará. Depois, quem sabe, um pouco mais. “Ainda não saímos de Belém. Chegamos no máximo até em Ananindeua [região metropolitana]. Eu já tive oportunidade de ir com outros grupos tocar no sudeste e no nordeste. Tivemos uma ótima aceitação da música. Acho que a indústria começa a olhar a cena nortista como lucrativa.”
No período sabático forçado pela pandemia, eles jogaram muito futebol. Sempre juntos e misturados. Até fizeram um ensaio temático envolvendo a música e o esporte mais popular do Brasil. “Futebol é cultura popular, é uma linguagem que todo povo brasileiro entende. Independentemente de jogar ou não. No período em que as casas de show estavam fechadas e os pontos turísticos sem turistas, o futebol ajudou a manter a cabeça no lugar”, comenta Hugo. “Com tantas mortes, falta de perspectivas, ansiedade mil grau, na bola a gente se fortalecia enquanto ser humano. Por isso, passamos a nos denominar com jogadores profissionais e músicos amadores para chamar atenção pro futebol e a prática esportiva na construção da cidadania e na qualidade de vida.”