Fortalecer a juventude periférica para que ela consiga emprego digno e com boas perspectivas é o objetivo de organizações sociais engajadas na formação para a empregabilidade. Não é fácil enfrentar a precarização do trabalho acentuada pela reforma nas leis trabalhistas, as lacunas educacionais, a desigualdade, a crise econômica. Mas tem gente trabalhando duro para isso e colocando muita energia na capacitação em pontos estratégicos para a carreira, como a tecnologia e as competências socioemocionais.
Entre 2016 e 2022, a taxa de desemprego entre jovens brasileiros de 18 a 24 anos ficou acima de 20%, segundo o levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
“Independentemente do tipo de carreira que o jovem pretende seguir, é muito importante o conhecimento sobre tecnologia”, diz Kelly Lopes, do Instituto da Oportunidade Social (IOS). Desde 1998, a instituição atua na formação em tecnologia de jovens periféricos por meio de parcerias com escolas públicas e outras ONGs. “É preciso conectar esses jovens com o uso de computadores e internet para que eles possam se desenvolver. Apenas 13% das famílias das classes D e E têm acesso a um computador. Nas escolas, muitas vezes o laboratório de informática está em condições precárias”, afirma.
As preocupações de ONGs, cursos profissionalizantes e fomentadoras como o IOS não param nos conhecimentos técnicos. Essas organizações sabem que o jovem que busca o primeiro emprego precisa desenvolver aspectos sociais, emocionais e de comportamento.
No IOS, os cursos têm duração de seis meses e contemplam o lado socioemocional. “Já temos muitos exemplos de jovens periféricos que fizeram o curso e agora estão atuando em áreas administrativas e de TI ou estão desenvolvendo software”, acrescenta Kelly.
Essas habilidades, conhecidas no jargão corporativo como soft skills, preparam o aluno para situações que vão da entrevista de emprego à gestão de conflitos e questões de relacionamento com os diversos setores e níveis hierárquicos da empresa. A ideia é que o aluno não chegue totalmente “verde” no primeiro emprego e que tenha também condições de se destacar, por exemplo, na disputa de uma promoção de cargo.
Menos desigualdade, mais oportunidade — Nos bairros de Pirituba, Jaraguá e São Domingos, na zona noroeste da cidade de São Paulo, uma das parceiras do IOS é com o Projetos Amigos das Crianças, que surgiu em 2003 por iniciativa de um grupo de voluntários e hoje tem 70 funcionários, cerca de 3.500 voluntários, 139 mantenedores via doação e sete empresas parceiras.
A região de 460 mil moradores é marcada por indicadores socioeconômicos ruins: sobressaem assassinato de jovens, gravidez indesejada na adolescência, baixa escolarização e pouca oferta de emprego. “O PAC luta diariamente para reverter as desigualdades e encurtar os caminhos que separam a população pobre das oportunidades de formação, emprego, renda e dignidade”, diz Rosane Chene, diretora da ONG.
Entre as iniciativas do PAC, há dois programas complementares de qualificação com foco na empregabilidade de quem tem entre 15 e 24 anos e está em vulnerabilidade social. O primeiro é o Educamente, que a cada seis meses abre 40 vagas para aulas de duas horas e meia, três vezes por semana, focadas em Português e Matemática. Trata-se de um curso preparatório para o projeto Jovem com Futuro, que oferece formação em Gestão Empresarial — a parte técnica e de comportamento. As informações para quem tem interessem em participar são divulgadas a cada seis meses nas escolas públicas da região.
Em atividade há quatro anos, o Jovem com Futuro já formou 110 alunos. Desses, 75% estão empregados e muitos conseguem amparar suas famílias. “Além de formar e contribuir para a empregabilidade, o curso prepara esses jovens para que possam despertar e assumir o papel de protagonistas em suas vidas, responsáveis por seus aprendizados”, ressalta Rosane.
De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o impacto da pandemia de coronavírus foi maior para trabalhadores jovens e a taxa de desocupação subiu de 23,8% no quarto trimestre de 2019 para 29,8% no mesmo período de 2020, o que corresponde a quase 4,1 milhões de jovens à procura de emprego no Brasil
Diversidade e inclusão — Ainda no campo da formação profissional e da promoção de diversidade e inclusão para quem está começando na vida, o Programa Formare foi criado em 1989 pela Fundação Iochpe, uma organização sem fins lucrativos voltada ao bem-estar social. O recorte é semelhante ao de outras iniciativas: jovens em situação de vulnerabilidade socioeconômica com idades de 16 a 19 anos. Os cursos dialogam com diversas áreas e são oferecidos em unidades do grupo [o Iochpe-Maxion opera nos segmentos de autopeças e equipamentos ferroviários] e também junto a outras empresas de médio e grande porte.
O programa tem 65 escolas no Brasil, em 49 cidades e 13 estados, e duas unidades no México. Cerca de 25 mil pessoas já completaram a formação em cursos certificados pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Nove em cada dez alunos do Formare conseguem uma vaga de trabalho com renda mensal acima de R$ 2 mil.
“Aqui o jovem consegue, além de se qualificar, ajudar seus pais com as despesas”, diz Claudio Anjos, presidente da Fundação Iochpe. Além da bolsa auxílio, a depender do curso os estudantes têm acesso a benefícios que as empresas parceiras oferecem, a exemplo de cesta básica, alimentação, uniforme, auxílio saúde e odontológico. “Estamos investindo fortemente na digitalização, para que mais jovens, onde quer que se encontrem, possam ter uma oportunidade de se qualificar.”
Com duração mínima de 800 horas/aula, os cursos são desenvolvidos pela equipe pedagógica da Fundação Iochpe de acordo com as características de cada empresa e a realidade do mercado de trabalho local. “A ideia é que, se o aluno não puder ser admitido pela própria empresa parceira no final do curso, ele tenha mais facilidade em conquistar uma vaga, já que terá conhecimentos que a região demanda”, afirma Anjos.
Ex-aluna do Formare, a estudante Letícia Nascimento tem 25 anos e mora em Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo. Hoje ela trabalha como assistente de especificações em um time de engenharia. “O aprendizado nos dá uma coisa que todo jovem precisa: oportunidade. É uma palavra simples, mas tão difícil de ser colocada em prática. Aprendi sobre diversos assuntos da indústria, do mundo corporativo e do mercado de trabalho”, diz. “O que mais gostei de aprender foram os assuntos ligados à indústria e sobre liderança também.”
Para quem quer empreender — Na cidade de São Paulo, a Prefeitura pretende abrir 3 mil vagas no Programa Qualifica Mais Progredir, para jovens que têm entre 18 e 29 anos, ensino fundamental completo e inscrição no CadÚnico, plataforma dos serviços assistenciais do Governo Federal. O objetivo é que eles aprendam a desenvolver um plano de negócios para se tornar um empreendedor.
As aulas serão oferecidas em escolas públicas municipais espalhadas nas periferias, no período noturno. Os alunos terão uma bolsa de R$15 por dia e vão aprender desenho de negócios, análise de mercado, estratégias de vendas, negócios digitais e planejamento financeiro em 160 horas de aula.
De acordo com dados da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), a demanda anual do setor é de 70 mil novos profissionais, enquanto apenas 46 mil pessoas se formam por ano com o perfil necessário para essas vagas
SOBRE OS CURSOS
- Educamente e Jovem com Futuro: www.instagram.com/projetosamigosdascriancas
- Programa Formare: www.formare.org.br
- Qualifica Mais Progredir: www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/direitos_humanos
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