A Justiça Federal na Paraíba recebeu denúncia do Ministério Público Federal contra seis investigados por suposto crime de racismo, na modalidade xenofobia. Eles são acusados por comentários em postagem na rede social Instagram contra indígenas da etnia Warao, oriundos da Venezuela.
As interações foram feitas em vídeo e foto publicados em perfil no Instagram, segundo informou a Procuradoria. Os detalhes da denúncia foram divulgados pelo MPF na Paraíba – Inquérito Policial 0800035-51.2021.4.05.8200.
A Procuradoria informou que os acusados foram denunciados pelo crime de racismo, tipificado no art. 20 da Lei 7.716/1989, pela ‘prática de discriminação e preconceito racial contra o povo indígena da etnia Warao’.
A pena prevista é de 2 anos a 5 anos de reclusão.
Os denunciados também podem ser condenados ao pagamento de multa e indenização por danos sociais à coletividade. Como são acusados por crimes raciais, não pode ser oferecida aos réus a possibilidade de acordos de não persecução penal.
Ao receber a denúncia, o Juízo citou decisão do STF que tornou crime inafiançável e imprescritível a prática do racismo em redes sociais abertas. Nessa mesma decisão, a Corte definiu que o princípio da liberdade de expressão não abarca o direito de incitação ao racismo, ‘pois um direito individual não pode servir de salvaguarda para a prática de ilícitos’.
“No conflito desses preceitos constitucionais, prevalecem os princípios da dignidade humana e da igualdade jurídica”, escreveu o magistrado na decisão.
Preconceito e ódio
O crime ocorreu em 2020 por meio de comentários em postagem no Instagram de abordagem policial em uma casa habitada pelos indígenas, em João Pessoa.
Por meio de um vídeo e uma foto, a publicação mostrava uma viatura da Polícia Militar em frente à casa, onde um agente interrogava um dos moradores, supostamente, por causa do excesso de barulho proveniente da residência.
Em meio à postagem, os seis denunciados fizeram comentários ‘disseminando a intolerância, o preconceito e incitando o ódio contra os indígenas’.
A eles a Procuradoria atribui insultos de ‘preguiçosos’, ‘safados’, ‘vagabundos’, ‘imundos’, e outros. Os comentários alegavam que os indígenas não sabiam viver em sociedade e não queriam trabalhar. Um deles insinuou que os indígenas venezuelanos deveriam ser mortos.
Para o procurador da República José Godoy Bezerra de Souza, que assina a denúncia, a disseminação desses comentários ‘não apenas prejudica as pessoas diretamente visadas, mas também enfraquece o tecido da sociedade como um todo, o que acaba por minar a coesão social’.
Para Godoy, a intolerância e o preconceito não são apenas crimes morais, mas uma afronta aos princípios fundamentais de igualdade e dignidade humana.
“Enquanto não se punir, na forma da lei, os discursos de ódio e a xenofobia, se possibilitará o florescimento nas redes sociais, afetando não apenas as vítimas diretas, mas também a própria essência da nossa humanidade”, argumenta o procurador.
Godoy destaca que as redes sociais ‘amplificam de maneira alarmante a disseminação da xenofobia e do racismo’.
O procurador aponta que o perfil que publicou a postagem, por exemplo, tinha em torno de 803 mil seguidores, o que gerou repercussão imensa entre a sociedade e uma enxurrada de falas carregadas de ódio contra os indígenas Warao.
Na denúncia, o procurador sustenta que ‘não há diferenças biológicas entre os seres humanos, sendo a divisão em raças resultante de um processo meramente político-social’.
“Cientificamente, não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas”, afirma.
Limites à livre expressão
O procurador da República frisa, na denúncia, que a liberdade de expressão não é uma garantia absoluta, recaindo sobre ela limites morais e jurídicos.
“As liberdades públicas não são incondicionais e devem ser exercidas de forma harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal”, assevera Godoy.
Segundo ele, um direito individual ‘não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas’.
Além da pena de prisão para os envolvidos, a Procuradoria pede fixação de multa e de um valor para reparação dos danos sociais causados pela infração, ‘considerando os prejuízos a toda coletividade’.