Saúde, educação, pobreza, fome, conflitos e injustiças sociais. Economias em crise. Superaquecimento global. Os efeitos da devastação e da catástrofe ambiental se manifestam em todas essas áreas e outras mais, sempre chegando primeiro nas populações mais vulneráveis. Mas, afinal, qual a importância das florestas? Dá para reverter o desastre? O que são rios voadores?
Basta colocar o nariz para fora da janela. Sentir o ar pesado a caminho do ponto de ônibus, o calor acima da média, os ventos de 45 quilômetros por hora, o frio no meio da primavera e do verão, as tempestades que arrasam quarteirões. Basta ver as notícias nos jornais que não subestimam a urgência ambiental: os refugiados climáticos não são poucos, pessoas que por causa da falta de chuva em terras que antes davam o que comer precisam se mudar em busca de alimento.
É isso: a destruição da Amazônia, a maior floresta tropical do planeta, traz consequências terríveis para a humanidade e torna ainda mais complicado e desafiador o enfrentamento da emergência climática. É preciso manter a Amazônia e outras florestas em pé e (tentar) recuperar o que foi destruído, porque tudo que acontece nelas afeta cada um de nós e os que virão depois.
O Estadão Expresso na Perifa produziu alguns conteúdos que tentam jogar luz sobre questões como essas, porque a gente acredita que informação e engajamento ajudam a salvar vidas
O QUE É E ONDE ESTÁ
A maior floresta tropical do mundo é dona da maior bacia hidrográfica e de mais da metade da biodiversidade do planeta – uma poderosa fonte de estudos científicos, avanços tecnológicos e de qualidade de vida. Ela ocupa 55% do Brasil nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Maranhão, Pará, Roraima, Rondônia e Tocantins. Também está em outros oito países: Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela.
SOB ATAQUE
“Ecossistemas que cobrem mais de 7 milhões de quilômetros quadrados [5 milhões ficam no Brasil] estão ameaçados pelo desmatamento, por incêndios, mineração, exploração de óleo e gás, grandes barragens para geração de energia hidrelétrica e por invasões ilegais”, alerta o Painel Científico para a Amazônia (SPA), uma rede de cientistas voltada para uma Amazônia sustentável.
IMPORTÂNCIA
A Amazônia dita o ritmo das chuvas no Brasil e tem papel fundamental na regulação do clima. Ela armazena gás carbônico: suas árvores guardam o equivalente a dez anos de queima de combustíveis fósseis no mundo. Em entrevista a um programa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o físico Paulo Artaxo, da USP e do SPA, explica: “Se a gente desmatar essa floresta, esse carbono vai para a atmosfera agravando a já crítica situação das mudanças do clima no nosso planeta.” Veja a entrevista completa.
RIOS VOADORES
Na fotossíntese, quando a floresta amazônica se abre para capturar o gás carbônico que armazena em suas árvores (e liberar oxigênio), ela põe na atmosfera água evaporada. Muita água. Esses são os chamados “rios voadores”, superimportantes para o regime de chuvas do Centro-Oeste e do Sudeste do País. Chuvas fundamentais, aliás, para a agricultura, um dos principais motores da economia no Brasil.
No vídeo acima, o cientista Antonio Donato Nobre explica como e por que os rios voadores são ligados às florestas nativas, e as consequências benéficas para o ciclo hidrológico da América do Sul desse funcionamento magnifico da natureza
PROBLEMAS HISTÓRICOS
“No Brasil, existem programas de desenvolvimento econômico com impactos muito negativos na Amazônia”, diz Fábio Almeida, historiador, especialista em questões climáticas e morador de Roraima. Ou seja, são séculos marcados pela ocupação predatória e violenta. Almeida destaca o corte de árvores para monocultura e pasto e o extrativismo mineral. “Outros meios para garantir o desenvolvimento humano, gerando emprego e renda na região, precisam ser encontrados”, afirma.
DESCONTROLE
Só em outubro de 2021 oram devastados 877 quilômetros quadrados de floresta amazônica, segundo sistema Deter do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Mais do que em todos os outubros anteriores. “O desmatamento saiu do controle com o estímulo de atividades ilegais que pautam discursos e atos do atual governo”, afirma Adriana Ramos, coordenadora do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA). “A tendência é de crescimento [do desmatamento] justamente quando os cientistas apontam como muito próximo o chamado ponto de não retorno, que afeta as condições da floresta cumprir seu papel de regulador climático. Os impactos do desmatamento sobre os modos de vida das populações são vários.”
Adriana afirma que atualmente o maior desafio dos povos indígenas, por exemplo, é assegurar seus direitos, ameaçados por políticas e propostas legislativas e pela invasão sistemática de seus territórios pela criminalidade. “O aumento das invasões nos últimos anos é visível nos dados de desmatamento. Apesar disso, os territórios indígenas seguem sendo as áreas mais preservadas.”
A água é o elemento mais importante para a vida no planeta. As florestas amazônicas pautam os ciclos das chuvas e a circulação das águas, que garantem a produção de alimentos e o desenvolvimento econômico em escala global
IRREVERSÍVEL: PONTO DE NÃO RETORNO
Ambientalistas e cientistas alertam há bastante tempo que a floresta está perto de um ponto de não retorno, quando sua destruição será irreversível. Em relatório divulgado na COP-26, a conferência do clima que ocorreu em novembro deste ano em Glasgow, na Escócia, o Painel Científico para a Amazônia (SPA) disse que o momento é de urgência e que a Amazônia corre alto risco de virar deserto. Para evitar a catástrofe de alcance global, o documento recomenda ouvir a ciência, investir em inovação tecnológica e buscar soluções na natureza e no conhecimento tradicional de indígenas e ribeirinhos. O desmatamento zero tem de ser atingido até o fim desta década. E o modelo econômico tem de ser transformado.
OS POVOS QUE HABITAM A FLORESTA
Quem, com muita dificuldade e sob ameaça constante, mantém em pé o que resta da floresta amazônica no Brasil são os indígenas, os quilombolas e os beiradeiros (ou ribeirinhos). Para ter uma ideia, nos últimos 40 anos, o desmatamento desapareceu com 20% da Amazônia. Nas terras indígenas e quilombolas, porém, a perda foi de 2,4%.
“A sobrevivência depende da preservação da sabedoria, do conceito de bem-viver e da resistência ensinados pelos povos da floresta”, diz e pesquisador de comunidades quilombolas Ivamar dos Santos. Junto com a ambientalista Suane Brasão, Ivamar, que também é griô (guardião e contador de histórias de se povo), criou em 2016 o Coletivo Amazonizando. Seu objetivo é preservar e valorizar a cultura dessas populações. “São eles que melhor sabem cuidar e que entendem toda a magnitude e a importância dos ciclos e da floresta em pé”, afirma Ivamar.
AMAZÔNIA CENTRO DO MUNDO, QUE CONCEITO É ESSE?
Para a jornalista e escritora Eliane Brum, que acaba de lançar o livro Banzeiro Òkòtó – Uma Viagem à Amazônia Centro do Mundo (Companhia das Letras), a emergência climática é o maior desafio da nossa trajetória e o único jeito de criar um futuro possível é “deslocar o que é centro e o que é periferia”: os grandes centros do mundo, diz a autora, são os enclaves da natureza.
Nesse sentido, a Amazônia está no centro do mundo e Eliane, a repórter mais premiada do Brasil, fala de dentro do centro. Há mais de vinte anos ela percorre as florestas para ouvir e escrever histórias e denunciar injustiças, mas em 2017 fez um movimento radical: deixou São Paulo e foi viver em Altamira, no Pará, onde as violações ambientais e de direitos humanos praticadas desde a instalação da hidrelétrica de Belo Monte matam o Rio Xingu, transformam para pior a vida da população e fazem de Altamira a cidade mais violenta da Amazônia — e a segunda mais violenta do Brasil. (Viviane Zandonadi)
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