O fotógrafo comunitário Ubirajara Carvalho, mais conhecido como Bira Carvalho, de 51 anos, morreu na madrugada de segunda, 29 de novembro, ainda sem causa divulgada. Ele morava no Complexo da Maré, zona norte da capital fluminense. Segundo informações da família, o velório ocorreu na terça, dia 30, no Centro de Artes da Maré (CAM). O sepultamento estava previsto para o início da tarde no Cemitério do Caju.
Bira se auto intitulava rueiro, porque tinha paixão em estar nas ruas, nos becos e nas vielas de onde morava e de outras periferias. Sua conta no Instagram, por exemplo, era prova de seu trabalho e dedicação em registrar moradores, situações e o cotidiano de quem vive nesses locais.
Nascido em Niterói em 1970, quinto filho de sete irmãos, foi entregue a uma tia quando tinha três meses de vida — a mãe não tinha condições de criar. O pai morreu quando ele tinha 2 anos. Em 1975, a família foi morar na favela Nova Holanda, no Complexo da Maré, no Rio, onde vive até hoje. “Minha vivência de mundo é formada pelo subúrbio do Rio e pela favela”, disse Bira em um depoimento ao portal do Prêmio Pipa.
Ele levou um tiro aos 22 anos e desde então era cadeirante. Aos 29, fez o primeiro curso de fotografia no Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM). Em 2004 já era parte da primeira turma da escola de fotografia popular e mais tarde ocupou a cadeira de coordenador do projeto Imagens do Povo.
Em entrevista à Agência de Notícias das Favelas, em março de 2019, Bira disse que sua fotografia era reflexo do sentimento que nutria pelas favelas. “Minhas fotos são sobre o que sinto e vejo, sem a pretensão de mostrar algo… a beleza aparece, pois a favela é bonita, as pessoas, minhas fotos, são o reflexo do meu afeto.” Em outro trecho, falou que a rua era a extensão da sua casa. “Fotografo o cotidiano das ruas, das favelas, pois uso a fotografia como uma forma de interagir com os moradores e aprender todo dia”, definiu.
Minhas fotos são sobre o que sinto e vejo, sem a pretensão de mostrar algo… a beleza aparece, pois a favela é bonita, as pessoas, minhas fotos, são o reflexo do meu afeto
Bira Carvalho (1970-2021), fotógrafo
Ao ser perguntado se o fotógrafo é um cronista do cotidiano, ele lembrou a existência das muitas personalidades que compõem a criatividade, a cultura, a comunicação das comunidades. Há, dizia, vários cronistas além do fotógrafo, como o compositor de samba e de funk, a galera que faz vídeos, os comunicadores da favela. “O problema era quando a única fonte de informação era a grande mídia, o que fez com que a favela fosse apresentada com toda forma de preconceito, fazendo com que o subconsciente da sociedade enxergasse a favela pelo medo e não pela potência”, comentou.
O problema era quando a única fonte de informação era a grande mídia, o que fez com que a favela fosse apresentada com toda forma de preconceito, fazendo com que o subconsciente da sociedade enxergasse a favela pelo medo e não pela potência
Bira Carvalho (1970-2021), fotógrafo
Despedida de amigos e admiradores — Nas redes sociais, o Instituto Marielle Franco lamentou a morte. “Grande parceiro de Marielle, de olhar sensível e preciso, Bira era apaixonado pela Maré, mostrava o cotidiano das suas vivências de uma maneira única”, diz a legenda. “Desejamos toda solidariedade à família e amigos. Bira e seu olhar continuarão vivos entre nós!”.
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Em São Paulo, o fotojornalista Léu Britto, videomaker e co-fundador do DiCampana Foto Coletivo, acompanhava Bira por conta do projeto Imagens do Povo — Registrando o cotidiano das favelas através de uma percepção crítica que leva em conta o respeito aos direitos humanos e à cultura local. “Nosso primeiro contato foi em junho de 2020, via internet, após o artista e educador Tim Neri ter comentado sobre o trampo fotográfico dele na Maré no 1º Encontro Nacional de Comunicação das Periferias na Favela da Maré, no Rio de Janeiro, lá em 2017”, lembra.
De lá para cá, os dois se falavam via redes sociais. Trocaram experiências e mantinham o desejo em criar uma rede nacional de fotógrafos de favelas. “Nossos caminhos se cruzaram, havia um sentimento em comum”, diz Léu. “Com a pandemia e com poucas oportunidades de ir até o Rio de Janeiro, não nos sentamos pessoalmente, para confabular mais sobre esse sonho em comum”. Apesar da perda, Léu afirma que em prol da memória dele, o desejo no projeto se fortalece. “Um pedaço da fotografia de favela partiu para Glória”, emenda o fotógrafo.