Kryslla Mendonça, de 32 anos, foi uma das milhões de brasileiras demitidas durante a pandemia. No início de 2020, ela fazia freelas na área de comunicação e perdeu os trabalhos. “Fui mais uma das profissionais afetadas por essa mudança na ordem mundial”, conta. Sem perspectiva em sua área de formação, Kryslla precisou se reinventar. Começou a vender cestas de café da manhã e criou a empresa Pão e Geleia.
Tudo começou quando resolveu presentear o marido com uma cesta e só encontrou o produto em Santa Cruz, na zona oeste do Rio de Janeiro. Por morar no Méier, zona norte, ela pagou um valor maior no frete do que na cesta. A falta de opções próximas que fossem mais em conta chamou a atenção de Kryslla para a oportunidade de abrir seu próprio negócio. “Essa ideia veio em um momento muito difícil da pandemia, naqueles primeiros meses de lockdown [isolamento]. Eu tive o auxílio [emergencial] negado. O dinheiro que tinha para investir nas cestas era um valor que o meu companheiro me dava todo mês”, explica.
Em meio a dificuldades e ausência de políticas públicas que a ajudassem, o trabalho de Kryslla foi ganhando espaço junto aos primeiros clientes e através de estratégias de marketing digital. Com o passar dos meses, a Pão e Geleia se tornou a principal fonte de renda na casa da empreendedora.
Mas a estabilidade financeira não demorou a ser estremecida. O aumento nos preços dos alimentos e o surgimento do número de novos negócios concorrentes colocaram Kryslla em um dilema: aumentar o preço ou diminuir a margem de lucro. “Eu tenho cada vez mais diminuído a minha margem de lucro, até para que fique acessível ao poder aquisitivo das pessoas. Se aumentar muito o preço diante da alta nos valores dos alimentos, da gasolina e das demais coisas, eu tiro o poder de compra desse consumidor. Eu fico realmente em uma encruzilhada na qual estou optando por receber menos do que meu trabalho vale”, afirma.
O lucro das vendas das cestas de café de Kryslla caiu pela metade. Em maio de 2020, primeiro mês do negócio e com a clientela ainda se formando, o retorno foi de R$ 7 mil, de acordo com a empreendedora. Em média, agora, a receita está em R$ 4 mil.
Espírito crítico e pés no chão — Ainda que tenha encontrado no empreendedorismo uma opção para se manter em meio à crise, Kryslla questiona o discurso de que empreender é a solução para os problemas enfrentados pela população. “É como se a gente jogasse um cobertor sobre o que está acontecendo, porque as pessoas não empreendem, em geral, por vontade própria. E quando você empreende por necessidade, comete muito mais erros”, afirma.
Com inúmeros desafios para enfrentar, Kryslla segue de cabeça erguida e pensamento crítico em relação ao modo como o empreendedorismo muitas vezes é encarado. Não se trata, em sua avaliação, de considerá-lo uma alternativa independente, paliativa às crises. A empresária defende a existência e a aplicação de políticas públicas fundamentais para proteção e formação de quem está empreendendo: “É preciso dar ferramentas para que as pessoas sejam empreendedoras e não quebra-galhos. Há necessidade de orientação para o negócio, o marketing digital e a saúde financeira”.
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