A rua Cruz e Souza, no Rio de Janeiro, tem esse nome em homenagem ao poeta do simbolismo Cruz e Sousa (1861-1898). Ele morou ali, no bairro do Encantado, zona norte da capital fluminense. Além de ser uma das poucas vias do Brasil que celebram em seu logradouro uma personalidade negra, recentemente o local ganhou um grafite do poeta e jornalista. O mural foi idealizado pelo projeto Negro Muro em parceria com o coletivo Engenhos de Histórias no ano em que o escritor completaria 160 anos.
Historiador e autor da fanzine Uma Rua chamada Cruz e Souza, Rafael Matoso morou na mesma rua e fala a relação do poeta com o local. “Sabemos que foi em 1897 que Cruz e Sousa passou a morar, com a mulher e os filhos, na antiga rua Teixeira Pinto, que atualmente leva o seu nome em homenagem póstuma”, afirma. “Nessa casa humilde do bairro do Encantado, se despediu do amigo Nestor Vítor durante uma visita em que lhe entregaria os originais de três livros: Evocações, Faróis e Últimos Sonetos.” João da Cruz e Sousa morreu de tuberculose em Minas Gerais, no dia 15 de março de 1898, para onde foi levado às pressas por causa da doença. Não resistiu. O enterro foi no Rio de Janeiro.
Filho de negros escravizados, Cisne Negro, como também era conhecido, foi o principal nome do movimento literário simbolismo no Brasil. Publicou diversos livros e como jornalista dirigiu o jornal abolicionista A Tribuna Popular.
Pouca presença de negros nas ruas — Mesmo com inúmeras referências negras na história do Brasil e com 56,10% da população negra, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), a maioria das homenagens em logradouros públicos são referentes a pessoas brancas, especialmente militares e figuras da igreja católica. Dados de 2019 do IBGE compilados pelo site Pindograma e publicados na revista Piauí, mostram que pelo menos 57,5 mil ruas dão nome a figuras religiosas e 29,7 mil a militares.
Entre escritores, Castro Alves está em ao menos mil endereços. Machado de Assis, considerado o maior nome da literatura nacional, é a personalidade negra mais homenageada, em 496 logradouros, menos da metade em comparação a Castro Alves.
Para mudar esse cenário, o projeto Negro Muro usa a arte urbana para aumentar, nas paredes da região metropolitana do Rio, a representatividade de pessoas negras. No grafite, o artista Fernando Sawaya, o Cazé, e o produtor cultural Pedro Rajão fazem o resgate histórico e mantêm viva a memória social de personalidades dos próprios territórios. Segundo Rajão, o projeto é fundamental porque racializa a discussão da memória no Brasil. “Queremos evidenciar a cultura africana e os filhos, netos e bisnetos de africanos que nasceram no Brasil e ajudaram a construir nossa identidade e a cultura do maior país negro fora da África”, explica.
Rua de Elza Soares — O projeto Negro Muro já realizou 24 grafites em homenagem a diversas personalidades negras, a exemplo da cantora Elza Soares. Seu mural está em Água Santa, bairro de juventude da artista. Fica no número 130 da Rua da Pátria.
Para Flávio Braga, professor e um dos fundadores do coletivo Engenhos de Histórias, o fato de uma das maiores vozes da MPB não ser homenageada com o nome em um espaço público onde morou escancara o racismo na memória dos espaços. “Preferem usar um nome subjetivo, como “pátria”, em vez de homenagear uma mulher negra, suburbana e favelada”, diz. “Quando inviabilizam pessoas negras, dá a entender quem está contando a história. Infelizmente, está sendo contada pelos homens brancos militares, políticos e poderosos da república e não pelos reais representantes de seu povo”, completa.
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