Materiais usados para pescaria na maior lagoa da América do Sul se torna artesanato nas mãos de mulheres
Sustentabilidade, representatividade e criatividade. Essa é a combinação que define o trabalho das Redeiras, grupo de mulheres artesãs que transforma redes de pesca, escamas e couro de peixe em arte. Localizado na Colônia de Pescadores São Pedro (Z3), em Pelotas, no sul do Rio Grande do Sul, o grupo reaproveita materiais usados no trabalho da comunidade pesqueira da região em acessórios, biojoias e roupas.
Tradicional área de pesca pelotense, a Colônia Z3 é banhada pela Laguna dos Patos, maior laguna da América do Sul e moradia de cerca de 1,5 mil famílias. A interação com a área foi o que levou a criação oficial das Redeiras, em 2015. Com nove artesãs, que reúne mulheres dos 50 aos 90 anos, o trabalho impacta diretamente cerca de 30 pessoas da região, envolvidas em todo o processo de confecção, produção e venda das peças de artesanato.
Moradora da Z3, integrante das Redeiras desde o início de sua formação e antiga pescadora, Flávia Pinto, 50, compartilha que todo o processo é focado na sustentabilidade. “Trabalhamos 100% com a reciclagem. A gente se preocupa muito com essa questão. A rede que usamos (de espera), iria parar no fundo da lagoa. A rede tem, em média, uma vida útil de cinco a seis anos e antes ela era descartada, indo parar no fundo da lagoa ou na Z3, sem destino. Agora ela tem um destino”, afirma. As artesãs retiram a cortiça e corda das redes e as devolvem aos pescadores, para ser reutilizada para outra atividade. “É uma troca”, define Flávia.
O resto que vira arte – As peças confeccionadas pelas Redeiras celebram a história, a cultura e a beleza da Colônia Z3. Cada item carrega no nome uma referência ao local, como por exemplo a bolsa “Lagoa dos Patos”, um dos artigos mais vendidos e adorados pelo público.
Como forma de qualificar o trabalho das mulheres envolvidas, elas participaram de diversas oficinas de formação ao longo dos anos. “Participamos de várias oficinas de formação, de preço, de atendimento ao público, e foi nelas que descobrimos o valor do nosso trabalho, não sabíamos quanto custava a nossa hora, as nossas peças”, relembra Flávia. Hoje, os produtos das Redeiras estão expostos em uma loja fixa no Mercado Central de Pelotas (banca 43), e são vendidos em lojas no Rio de Janeiro, Distrito Federal, Santa Catarina, São Paulo, Pernambuco e Pará. As peças também marcam presença em feiras e eventos pelo Brasil.
Representatividade feminina local celebrada – Ao longo de 2023, dois desfiles com coleções de acessórios, biojoias e roupas foram feitos, em Pelotas e Rio Grande, no RS. A apresentação das peças ocorreu com a participação de moradoras da Z3, filhas de pescadores. Vitória da Rocha, 21 anos, foi uma das modelos. “Tudo que envolveu as Redeiras sempre foi mágico. Os desfiles foram maravilhosos, pudemos mostrar o trabalho delas, que envolve delicadeza e leva tempo para ser feito. É tudo muito lindo”, declara.
Natural de São José do Norte (RS), moradora da Colônia há duas décadas e filha de pescadores, Vitória complementa que a relação com as Redeiras vem das gerações femininas anteriores e o trabalho movimenta a economia e a comunidade local. “Gera uma renda para todas as mulheres da Z3 que participam. Minha mãe, minhas tias e minha avó cortam as redes, o fio, para fazer no tear”, completa.
A representação nos desfiles é uma das bandeiras do grupo. Todas podem participar, basta ter interesse e vontade. “A gente quer que todo mundo mundo vista e use Redeiras”, finaliza Flávia. Para o futuro, o grupo pretende realizar novos desfiles e eventos, expandindo cada vez mais a arte que reúne artesanato sustentável, história local e representatividade feminina.