A sociedade brasileira ainda reflete os danos de uma política misógina e racista. A conclusão está na falas das especialistas ouvidas pelo Expresso na Perifa no Dia Internacional para Eliminação da Violência Contra as Mulheres. As pesquisadoras debatem a ausência de políticas públicas, a desigualdade de gênero e outras opressões no país.
25 DE NOVEMBRO
Dia Internacional para Eliminação da Violência Contra as Mulheres
A data foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1999. O dia homenageia as irmãs Mirabal (Pátria, Minerva e Maria Teresa), assassinadas por se oporem à ditadura de Rafael Leónidas Trujillo na República Dominicana. Além disso, a comemoração tem como objetivo alertar e erradicar os casos de violência contra as mulheres no mundo todo.
No contexto de opressões sistemáticas e de uma série de violências causadas pela cor da pele e também por gênero, Hallana de Carvalho, doutoranda em Sociologia, destaca que o Brasil coloca a mulher negra em lugar subalternizado na sociedade. “Para pensar sobre o perfil desta população é importante lembrar de alguns processos históricos que deixaram a mulher negra mais passível às vulnerabilidade sociais”, diz.
Hallana afirma que há uma série de elementos conectados aos diversos indicadores de bem-estar e dignidade humana, como acesso a educação, saúde, emprego, violência e assédio sexual, que impedem uma vida melhor a essas mulheres. O cenário é reflexo da herança do período escravocrata, de acordo com a socióloga.
Além disso, a construção de uma sociedade mais justa para mulheres negras compartilha os benefícios para todas as etnias no Brasil, pois, segundo Hallana, elas sempre direcionaram a atenção de políticas públicas afirmativas para a população em geral. “Um projeto de sociedade feito por mulheres negras não traz só benefícios para elas, mas para todo mundo, tendo em vista que somos nós que, historicamente, temos feito esse esforço de igualdade, de pensar a violência que afeta outros grupos”, define.
Um projeto de sociedade feito por mulheres negras não traz só benefícios para elas, mas para todo mundo, tendo em vista que somos nós que, historicamente, temos feito esse esforço de igualdade, de pensar a violência que afeta outros grupos
Hallana de Carvalho, socióloga
Dupla opressão — Para a jornalista e escritora Brenda Vidal, a fragilidade social imposta às mulheres negras evidencia a continuidade da lógica patriarcal e preconceituosa, que eleva os índices de desemprego, de vulnerabilidade, de feminicídio e de não acesso à educação para a comunidade preta do Brasil. “Podemos apontar as afrodescendentes como base de uma pirâmide social, onde estão mais vulneráveis às condições precárias do país, como a violência, a acessibilidade aos direitos básicos, as dificuldades financeiras e, consequentemente, a população que mais ocupa as periferias pelo país”, cita.
DESIGUALDADE
A cidade de Porto Alegre (RS) é a capital brasileira que lidera a desigualdade entre negros e brancos, como apontam os dados do Relatório de Desenvolvimento Humano para Além das Médias, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2017. A discrepância nos números é um padrão comum pelo país. Segundo os dados do Ranking Global de Igualdade de Gênero de 2020, do Fórum Econômico Mundial (WEF), o Brasil ocupa a 93ª posição num comparativo entre 156 países. Quando o recorte da pesquisa é feito em apenas os países da América Latina, o Brasil fica em penúltimo lugar (25º). Na perspectiva financeira, as mulheres negras recebem 44,4% a menos que homens brancos.
De acordo com Brenda, que também organiza a iniciativa TodAs EscreVemos, um coletivo de poetas, essa realidade traça um perfil geral das afrodescendentes, mas que não pode ser definido como único já as mulheres possuem características plurais. “Definir o perfil da mulher negra no Brasil é uma tarefa difícil, porque o Brasil é um país com grandes proporções territoriais e cada região tem uma característica única e, mesmo assim, cada mulher é um indivíduo que possui desafios pessoais, mesmo com a demanda de coletivo”, emenda.
A escritora acredita que, por enfrentar um cenário de duplo opressão e muitas vezes ser a responsável pela gestão familiar, o senso de coletividade é um aptidão que as acompanha as mulheres. “Estamos constantemente nos movimentando e tentando buscar novos lugares e horizontes. Além disso, também impulsionamos nossas famílias, colocando uma força maior para que se desenvolvam e se destaquem”, indica. “Às vezes, essa posição nos coloca em uma situação de subdestaque, de suporte, e é um lugar social muito ingrato para essa mulher negra, que é a base dessa desigualdade racial”.
Poucas oportunidades — Para a cientista política Richelle Reis, os fatores que condicionam a crescente desigualdade no Brasil passam diretamente pela representação e gestão dos poderes públicos, cadeiras que são preenchidas, em grande parte, por pessoas brancas. “Basta olhar a composição dos cargos legislativos no país. Por exemplo, a suposta “casa do povo” [como também é chamada a Câmara dos Deputados] tem representado uma minoria populacional”, comenta. “São 513 deputados, desses apenas 77 são mulheres (13 negras, 63 brancas e uma indígena). Dos 81 senadores, apenas uma se considera parda.”
A especialista ressalta que a falta de oportunidades é algo estrutural e as mulheres brancas também desfrutam do prestígio social e estão acima de pessoas negras nos indicadores de bem-estar e vida digna. Segundo Richelle, a existência dessa realidade dificulta o encontro de soluções para questões graves a exemplo da violência de gênero. Dados do Atlas da Violência deste ano indicam que 66% das mulheres assassinadas são afrodescendentes. “Ter um campo legislativo e jurídico formado por outras etnias afasta os debates sobre essas pautas”, aponta a cientista. E conclui: “construir um país com mais políticas públicas relacionadas às questões raciais e de gênero é idealizar uma sociedade mais justa e com mais probabilidade de alcançar os direitos pré-estabelecidos na Constituição Brasileira, de uma vida digna para todos”.
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