Mulher negra retinta, mãe de três crianças, cozinheira e churrasqueira, Pretona BBQ é moradora do bairro Parque do Lago, extremo sul de São Paulo (SP). Assim como é a realidade de muitas mulheres periféricas brasileiras, ela trabalha desde cedo para garantir o sustento da família. Ela só não imaginava que se apaixonaria pelo churrasco e o teria como ganha-pão.
Embora utilize o termo “BBQ” em referência ao churrasco em inglês, a Chef Pretona concentra-se na culinária brasileira, visando proporcionar a melhor experiência possível aos clientes. Além de se dedicar ao churrasco, ela prepara acompanhamentos exclusivos, como vinagrete de quiabo, farofa de miúdos e farofa de ora-pro-nóbis (planta alimentícia não convencional). “Minha família é mineira, e eu sempre incorporo essas essências da cozinha ancestral e afetiva da minha infância, dando-lhes um toque pessoal”, explica a chef.
Laje da Preta – No final de 2019, ela inaugurou a “Laje da Preta”, no terraço da própria casa. No espaço ela recebia amigos, vizinhos e clientes. Infelizmente, devido a problemas financeiros durante o momento mais crítico da pandemia de Covid-19, o espaço foi fechado por tempo indeterminado. “A Laje da Preta foi um presente que ganhei de quem me viu começar. Ela veio para preencher um vazio que eu tinha no meu coração por sempre trabalhar para os outros e nunca para mim. A Laje não acabou, apenas deu um tempo”, diz.
Mesmo sem o espaço fixo, Pretona participa de feiras e eventos, festas e aniversários em São Paulo e outras cidades. “Não sei dirigir e não tenho carro, vou aos eventos de ônibus ou de metrô. É desafiador. Nunca vai ser fácil, mas eu decidi que não vai ser impossível”, conta.
“Sou uma mulher preta churrasqueira e tenho muito orgulho disso.” Hoje ela esbanja satisfação, mas nem sempre foi assim. Tatiana descobriu a gastronomia após se dedicar em um restaurante no centro de São Paulo. O emprego era temporário, portanto ela saiu em pouco tempo. Trabalhou em um frigorífico e depois como ajudante de cozinha em uma cantina. Nesse período, estudava gastronomia e tinha a possibilidade de aprender na prática diversas receitas, mas percebeu que era explorada, fazendo mais do que fora contratada e sem receber um salário digno por isso.
Desempregada mais uma vez, pagando aluguel e com uma criança pequena para alimentar, entrou em depressão. No período mais delicado de sua vida decidiu viver do churrasco, se voluntariando em eventos para acompanhar a dinâmica. “Voltei a trabalhar como faxineira no frigorífico. Tentei o suicídio muitas vezes, e o que me salvou foi o churrasco, ali eu não tinha mais vontade de morrer. Ele entrou na minha vida para me mudar como pessoa, como mãe e como mulher”, conta satisfeita.
A decisão foi criticada pela família, entretanto, não a limitaram. Pretona seguiu seu sonho confiante de que traria bons resultados e, após mais de 10 anos na área, conseguiu respeito e apoio. “Posso estar sendo soberba, mas ainda quero ser reconhecida como a única chef preta e periférica que faz churrasco no Brasil”, sonha.
Problemas estruturais – O racismo, a misoginia e o preconceito religioso também impactam em seu cotidiano. Enquanto uma mulher negra retinta, ela precisa provar mais de uma vez sua capacidade e seu valor. “Muitas vezes fui a única preta do rolê, hoje em dia sou respeitada e uma referência dentro de casa. Quando estou de guia nos eventos, as pessoas me olham com outros olhos, mas exijo respeito, até porque intolerância religiosa é crime. Trabalho com a minha guia, porque é minha proteção e quero que o evento comece bem e termine melhor”, reflete Pretona.
No momento, seu maior sonho é reabrir a Laje da Preta e proporcionar à periferia novas experiências gastronômicas. “Quando eu fiz a costela de chão na quebrada, fui muito criticada, porque é uma cultura que a periferia não conhece. Minha motivação é levar o que eu faço no asfalto para a quebrada. Não me vejo fazendo outra coisa além do churrasco”, completa.