A população da Amazônia brasileira é formada secularmente por indígenas de diferentes etnias, quilombolas e ribeirinhos — entre eles estão pescadores, seringueiros e extrativistas. “Existem várias ‘Amazônias’ dentro do que a gente chama de Amazônia”, diz o historiador Davi Avelino Leal, professor da Universidade Federal do Amazonas. Ele conta que muitas cidades da região surgiram no período colonial e que, no ciclo da borracha, a partir de 1879, muita gente chegou de fora e a população, até então majoritariamente indígena, se reconfigurou. Imigrantes do Nordeste foram para os seringais. Judeus, sírio-libaneses e ingleses, para o serviço público. A presença negra também cresceu, diz Leal, na ida de africanos escravizados e livres principalmente ao Maranhão e ao Pará.
OS POVOS DA FLORESTA PODEM AJUDAR A SALVAR O PLANETA? SIM. Em relatório divulgado na COP-26, a conferência do clima que ocorreu em novembro deste ano em Glasgow, na Escócia, o Painel Científico para a Amazônia (SPA) disse que o momento é de urgência e que a Amazônia corre alto risco de virar deserto. Para evitar a catástrofe de alcance global, o documento recomenda ouvir a ciência, investir em inovação tecnológica e buscar soluções na natureza e no conhecimento tradicional de indígenas e ribeirinhos. O desmatamento zero tem de ser atingido até o fim desta década. E o modelo econômico tem de ser transformado. Quem mantém em pé o que resta da floresta amazônica no Brasil são os indígenas, os quilombolas e os beiradeiros (ou ribeirinhos). Para ter uma ideia, nos últimos 40 anos, o desmatamento desapareceu com 20% da Amazônia. Nas terras indígenas e quilombolas, porém, a perda foi de 2,4%. “A sobrevivência depende da preservação da sabedoria, do conceito de bem-viver e da resistência ensinados pelos povos da floresta”, diz e pesquisador de comunidades quilombolas Ivamar dos Santos. Junto com a ambientalista Suane Brasão, Ivamar, que também é griô (guardião e contador de histórias de um povo), criou em 2016 o Coletivo Amazonizando. Seu objetivo é preservar e valorizar a cultura dessas populações. “São eles que melhor sabem cuidar e que entendem toda a magnitude e a importância dos ciclos e da floresta em pé”, afirma Ivamar.
Indígenas — No último censo do IBGE, em 2010, a população indígena do Brasil era de 896 mil pessoas em mais de 300 etnias e de 270 línguas: 342 mil habitavam a região Norte. “Somos indígenas, não ‘índios’”, diz Telma Taurepang, antropóloga e coordenadora da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (Umiab). “Nossas identidades são pouco valorizadas. Mas somos nós que cuidamos, protegemos e preservamos a Amazônia, que é a nossa casa. É também através dela que nós temos água limpa e ar puro e que nossos costumes, culturas e línguas maternas se mantêm. Nós sempre falamos da importância da Amazônia e que ela precisa ser cuidada e vamos continuar fazendo isso”, afirma.
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Quilombolas — Quem também se engaja na preservação e na representatividade na Amazônia são os moradores dos quilombos, que conquistaram seu direito aos territórios ocupados pelos antepassados. Só no estado do Pará há 528 comunidades. Uma delas é Oxalá de Jacunday, território quilombola de Jambuaçu, onde vive Samilly Valadares. Psicóloga e ativista, Samilly ressalta que a Amazônia é feita da ancestralidade e da luta dos povos tradicionais e originários. Para ela, o reconhecimento da identidade quilombola é um marco histórico na luta pela preservação da floresta. “Não é de interesse dessa sociedade racista que nós nos reconheçamos enquanto povo quilombola, mas quando nos apoderamos e protagonizamos cada vez mais esses processos, ninguém nos para”, diz Samilly. Ela coordena uma iniciativa de fortalecimento de identidades e territorialidades quilombolas através de educação e cultura. “A preservação da Amazônia é um compromisso ancestral para o povo quilombola. Nós lutamos diariamente aqui para reexistir, para estarmos aqui e sermos guardiões dessa biodiversidade e riqueza ancestral”.
Ribeirinhos — Tal indígenas e quilombolas, os beiradeiros também são ameaçados de extinção. Esses homens e mulheres vivem na beira dos rios ou em ilhas e tiram seu sustento da pesca, da coleta do látex e de outros produtos naturais. São pessoas que sabem viver bem na floresta sem ofendê-la e que não precisam de muito dinheiro até serem arrancadas de suas terras para deixar passar o “desenvolvimento”. A escritora e jornalista Eliane Brum chama esse processo de “conversão dos povos da floresta em pobres urbanos”, que se manifesta na ocupação da Amazônia pelo estado brasileiro. Acontece há muito tempo, aconteceu na ditadura civil-militar. Acontece agora, enquanto você lê esta frase. (Viviane Zandonadi)
AMAZÔNIA LEGAL Os estados do Acre, Amapá, Amazonas e Pará formam atualmente, junto a parte do Maranhão, de Mato Grosso, Rondônia e Tocantins, a chamada Amazônia Legal. De acordo com o último censo demográfico, habitam o território 20,3 milhões de pessoas – 56% dos indígenas e 12% da população brasileira. A maioria vive em áreas urbanas (68,9%) e 31,1% nas rurais. A Amazônia Legal é um conceito foi criado em 1953 pelo governo federal a fim de planejar o desenvolvimento econômico da região e seus limites não incluem apenas a floresta. Há áreas com outras características. Os limites da Amazônia Legal já foram alterados várias vezes. O site do Ipea usa como exemplo dessa flutuação o Plano Amazônia Sustentável (PAS), de 2008, que considerava o estado do Maranhão inteiro e não só uma parte.
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