Owerá tem 20 anos e é da Aldeia Krukutu, da região de Parelheiros, zona sul da cidade de São Paulo. O músico já fez uma parceria com Criolo e encara seu trabalho na arte como uma missão
A arte é uma das maneiras de os indígenas contarem suas histórias e reivindicarem seus direitos. O hip-hop, movimento contemporâneo bastante conhecido na expressão de jovens negros e da periferia, acolhe essa tradição em um de seus elementos: o rap. Werá Jeguaka Mirim, de 20 anos, é um exemplo. De etnia guarani, Owerá — nome artístico — vive na aldeia Krukutu, na região de Parelheiros, extremo sul da cidade de São Paulo.
Ele ficou conhecido como o indígena que abriu a faixa Demarcação Já na abertura da Copa do Mundo de 2014, minutos antes da partida de Brasil e Croácia. Logo a imprensa internacional quis saber quem era aquele jovem e o que aquela música significava.
Desde então, Owerá lançou os álbuns (My Blood Is Red e Todo Dia é Dia de Índio) e alguns singles, a exemplo de Demarcação Já – Terra Ar Mar, em parceria com Criolo, e Jaguatá Tenondé, em que rima é deixada de lado e apresenta um ritmo característico da cultura guarani, conhecido como música de rezo.
O Expresso na Perifa conversou com Owerá sobre sua relação com a música, as bandeiras que levanta como artista e a situação atual dos povos indígenas no Brasil. O rapper conta que sua carreira como músico começou antes mesmo que pudesse se dar conta, porque desde a infância viajava com o pai para cantar a cultura guarani. “Todo indígena tem uma conexão forte com a música, porque cada história e cada conto que o líder espiritual fala envolve música. O guarani, que é o meu povo, sempre canta na casa de reza”, explica.
O canto de luta — A música em parceria com Criolo é uma das canções do artista a falar sobre a vida dentro da aldeia, onde as crianças precisam se alimentar, brincar, correr, amar e nadar. Sua própria infância, conta Owerá, foi regada por jogar bola e nadar na represa.
A letra trata ainda da dor de perder um familiar na luta travada pelos indígenas pelo direito à terra. Passados quase 522 anos desde que os primeiros colonizadores chegaram ao Brasil e começaram a dizimar os povos originários, as invasões e assassinatos ainda fazem parte do que é ser indígena no Brasil.
Sem armas de fogo pra cantar,
só palavras de fogo pra rimar
O coração dói, só quem sabe sente,
na demarcação das terras a morte de um parente
(Trecho de ‘Demarcação Já – Terra Ar Mar’, parceria de Owerá com Criolo)
O jovem rapper da Aldeia Krukutu acredita que falar sobre questões como a demarcação de terras, direito garantido pela Constituição Federal de 1988, é uma missão. Tendo como referência seu povo, usa o rap para levar a mensagem adiante. “Os mais velhos que sempre lutaram hoje descansam para que a gente dê continuidade. Sou uma liderança que batalha através da música”, diz Owerá.
Sem rótulo — O compromisso com a luta indígena assumido por Owerá no rap o fez ser reconhecido como de fato uma liderança de sua aldeia em São Paulo. “Não me considero um ativista. Faço o que precisa ser feito, mas não quer dizer que eu sou um ativista. Sou apenas um jovem aprendendo o valor da vida através da música”, afirma.
Em 2020, o artista representou o Brasil na comemoração dos 50 anos do Dia Internacional dos Direitos Humanos. No ano passado, participou da cerimônia de abertura do festival mundial Global Citizen, direto da Amazônia, ao lado do DJ Alok, com quem vai lançar uma música. O nome ainda não foi escolhido.
VIOLÊNCIA Os dados mais recentes do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil, publicado em outubro de 2021 pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), apontam que nem mesmo a pandemia de covid-19 impediu que grileiros, garimpeiros, madeireiros e outros invasores intensificassem ainda mais suas investidas sobre terras indígenas. O levantamento identificou que em 2020 foram registrados 263 “casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio”. No mesmo ano, 182 indígenas foram assassinados, um número 61% maior do que o registrado em 2019, quando foram contabilizados 113 assassinatos.
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