A Cúpula do Clima (COP-26) que ocorreu no mês de novembro em Glasgow, na Escócia, reuniu cientistas, organizações, movimentos sociais e líderes políticos para debater os impactos globais da emergência climática. A cada edição, tem sido mais expressiva a presença das juventudes no evento. Neste ano a delegação brasileira de jovens engajados na causa ambiental pode ter sido a maior da história, com pelo menos 80 participantes.
A advogada Thuane Rodrigues Nascimento, de 24 anos, foi uma das representantes do coletivo PerifaConnection na COP-26. Ela é cria da Vila Operária, em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, e destaca a importância das periferias do Brasil e de todos os cantos do mundo terem voz ativa no debate, porque esses territórios são os primeiros a enfrentar as consequências da degradação do meio ambiente.
Quando falamos de mudanças climáticas e impacto no mundo, é muito comum ver pessoas e lideranças de países ricos e mais ‘desenvolvidos’, como eles chamam, discursando sobre um período futurístico em frases como ‘daqui uns anos’ não teremos água potável, ar saudável e puro e outras sentenças nesse estilo”, diz Thuane. “Mas esses exemplos já são realidade nas periferias há muito tempo. Falar das questões ambientais é falar do passado também. Os países e lugares de primeiro mundo têm esse privilégio de falar sobre “o que vem por aí” porque eles não foram os primeiros a pagar as contas, fomos nós, da periferias
O relatório final da COP-26 divulgado no dia 13 de novembro pressiona por redução no uso de combustíveis fósseis — carvão mineral, gás natural e petróleo, substâncias formadas na decomposição de organismos vivos —, mas não reivindica as demandas dos países mais pobres por justiça climática. E não garante, ainda, que o aquecimento global ficará limitado a 1,5°C.
Thuane lembra que a justiça climática é essencial para as periferias que encaram condições precárias de qualidade de vida e racismo ambiental diariamente. Além disso, o afastamento das pessoas negras e de origem periférica das pautas climáticas é uma ação contínua da negação da origem desses povos, pois, lá atrás, a terra e o meio ambiente eram sinônimos de cuidado. Nisso tudo o texto final do relatório da Cúpula do Clima ficou devendo.
Ouça neste podcast: o que é racismo ambiental e como afeta negros e indígenas
“O debate tem de ser sobre questões do nosso dia a dia”, diz a advogada. “Já enfrentamos esse cenário de falta de saneamento básico, de não ter água potável e da falta de árvores. Esse último, por exemplo, faz parte do planejamento urbano atual: imóveis nos lugares das árvores, porque partem do ponto que precisam de espaço para viver. Com isso, somos afastados do debate da terra, que deveria ser sinônimo de vida, e isso era uma conexão que nós tínhamos como povo.”
Raull Santiago da Silva, de 32 anos, articulador dos coletivos Papo Reto e do PerifaConnection, também participou da COP-26. Para ele, a edição deste ano entrou para a história com a grande participação e inclusão dos movimentos negros e indígenas brasileiros. Raull é do Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro. “Na atual gestão política, temos um Brasil que demonstra descaso com as condições ambientais, a exemplo da região amazônica que enfrenta desmatamento e queimadas constantes. Além disso tudo, há o afastamento do Estado dos compromissos globais, como a Agenda 2030 e o Acordo de Paris, que visa eliminar a pobreza e contribuir para o desenvolvimento social, ambiental e econômico“, avalia Raull. “É importante ver que as ações do governo federal acentuam vulnerabilidades sociais nas regiões que são periféricas e dos grupos que convivem à margem da sociedade.”
Em um país onde racismo e desigualdade são regras, reforça Raull, os impactos atingem diretamente essas populações. “As questões climáticas também falam sobre o direito de uma alimentação saudável e livre de agrotóxicos. No Brasil, você vê uma cultura que incentiva essas substâncias nas vegetações e nos alimentos”, afirma. A propósito: o governo federal liberou 1.458 novos agrotóxicos desde o início da gestão de Jair Messias Bolsonaro. Uma apuração realizada pelos veículos Repórter Brasil e Agência Pública mostrou que nos últimos dez anos cerca de 30 mil hectares de vegetação nativa foram literalmente envenenados para acelerar o desmatamento na Amazônia, a área corresponde a 30 mil campos de futebol.
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NO ESTADÃO Foi a primeira vez na história das COPs que jovens elaboraram um documento para apresentar aos líderes mundiais. Não é por acaso. Quem tem 20 anos hoje irá sofrer no futuro se o filme de terror das mudanças climáticas – secas, enchentes, falta de alimentos – se transformar em realidade. O site da Unesco chamou de “Geração Greta” aos jovens que se dedicam ao ativismo sobre o clima. Eles são, no entanto, apenas a face mais visível de um fenômeno muito maior: a crescente identidade entre os jovens e a causa ambiental. (Reportagem de João Gabriel de Lima para o Estadão)