Nas favelas do Rio de Janeiro o mote é: “Ano novo, projeto antigo. Mas recauchutado”. É assim que o favelado encara outra aventura fluminense no campo da (in)segurança pública. O mais novo empreendimento — social, comercial ou eleitoral? — do governo do Rio se chama Cidade Integrada. Até hoje, 15 de fevereiro de 2021 e 26 dias depois do lançamento, o projeto que visa levar segurança pública, saúde, políticas assistencialistas e reformulação de espaços públicos às comunidades só se mostrou uma espécie de UPP 2.0.
É impossível que um projeto construído sem nenhum diálogo com os mais de 50 mil moradores da comunidade inspire novos e motivados ares
Vale frisar que não estou me pautando pela torcida do contra ou do quanto pior melhor, mas é impossível que um projeto construído sem nenhum diálogo com os mais de 50 mil moradores da comunidade [Jacarezinho, onde as forças policiais entraram no lançamento do projeto] inspire novos e motivados ares.
Soa como mais do mesmo: repressão à base da força em ocupação territorial militarizada com a presença de mais de 1.200 homens, denúncias de agressões e violações de domicílio (um clássico das favelas cariocas, onde ainda impera um Brasil pré 1988), a prisão injusta do jovem Yago Corrêa, acusado de associação ao tráfico ao ir comprar pão no dia 6 de fevereiro. No dia 10 de fevereiro, houve uma morte ainda mal-explicada e executada por policiais. Os protestos dos moradores foram duramente reprimidos pela polícia do local.
A violência de Estado não pode seguir banalizada nos territórios racializados
O QUE É O PROJETO CIDADE INTEGRADA? Operação na favela do Jacarezinho, no Rio, dá início a projeto que substitui UPPs Entrada de forças policiais ocorre oito meses após ação que terminou com 28 mortos na comunidade
Serviços oferecidos? São poucos, a exemplo de emissão de documentos do posto do Detran-RJ instalado na quadra da escola de samba Unidos do Jacarezinho e alguns cadastros e direcionamentos de secretarias de estado. Nada que demande uma ocupação territorial para ser executado.
Na esteira de pouca informação e muita força bruta militarizada, o Instituto de Defesa da População Negra, do qual sou o coordenador executivo, lançou ontem, 14 de fevereiro, o Observatório Cidade Integrada. O objetivo ao acompanhar a execução do projeto, para além da abordagem criminal, é resguardar os direitos da população e monitorar violações (mais informações no quadro a seguir, em destaque).
Não se vive bem com o caveirão passeando em sua rua regularmente
O QUE É O OBSERVATÓRIO CIDADE INTEGRADA? O Observatório Cidade Integrada é uma iniciativa que busca resguardar os direitos da população local, assim como monitorar violações de direitos individuais, coletivos e difusos. Um dos focos do grupo é o processo de remoção de 765 famílias, sua indenização e realocação. A análise crítica será feita à luz do déficit habitacional local, que gira em torno de 1.400 famílias recebendo o aluguel social. O Observatório também pretende expor o quanto esse tipo de estratégia de combate à dita criminalidade, a partir da ocupação territorial militarizada, é redutor da vida social local e já nasce fracassado, violento e violador com toda uma comunidade de 50 mil pessoas. Não se vive bem com o caveirão passeando em sua rua regularmente. O Observatório Cidade Integrada conta com a participação de: Rede de Observatórios, Casa Fluminense, Lab Jaca, NICA Jacarezinho, Iniciativa Direito a Memória e Justiça Racial, Associação de Juízes para a Democracia e Associação de Moradores do Jacarezinho (Joel Luiz Costa).
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