Eu era criança e trago viva na memória minha tentativa de apartar as brigas dos meus pais com a fralda de pano que prendia minha chupeta. Na minha inocência, eu acreditava que ela serviria como algum tipo de bandeira da paz. Nunca funcionou. Tenho vivas na memória algumas cenas que marcaram fisicamente minha mãe e simbolicamente a mim.
Meu pai quebrou um copo de vidro no rosto dela. A cicatriz marca sua pele e compete com a que traz na barriga, fruto das cinco cesáreas que foram necessárias após a gestação de cinco filhos. Era por nós que ela permanecia nesse ciclo de violência.Eu estou resgatando essa parte dolorida da minha infância porque hoje, 25 de novembro, é Dia Internacional para Eliminação da Violência contra as Mulheres. Parti de uma experiência pessoal para resgatar a importância dessa data em um país machista como o nosso, em que ainda enfrentamos violências só por sermos mulheres.
A legislação no país avançou e hoje garante proteção e punição para esses tipos de violência. Temos a lei Maria da Penha, que vigora no país desde 2006 e cria mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. A Lei do Feminicídio, criada em 2015, torna o assassinato de mulheres em função do gênero um crime hediondo. A Lei da Importunação Sexual, de 2018, prevê a prisão de até cinco anos para quem cometer ato libidinoso contra alguém sem o seu consentimento. A mais recente, Lei Mariana Ferrer, sancionada em 22 de novembro, protege vítimas de constrangimento em audiências de crimes contra a dignidade sexual.
O desafio, no entanto, é a aplicabilidade desses mecanismos de proteção aos direitos das mulheres. Cito um exemplo que presenciei recentemente. Tive que ir até uma delegacia fazer um Boletim de Ocorrência, após invasão do Instagram do Nós. Uma mulher, que acabara de sofrer violência, esperava para ser atendida. Eu fiquei em choque com a forma como ela foi tratada e como a delegacia ainda é um ambiente masculino e de pouco acolhimento nesses casos. “Tem marca?”, perguntou um dos escrivães para o policial que veio lhe apresentar o caso que lhe respondeu: “não”.
A moça ficou do lado de fora esperando enquanto homens minimizavam o fato e já julgavam como mais um caso que não iria vingar. Essa foi a sensação que eu tive e que eles não fizeram questão de disfarçar. Quantas outras não passam por esse mesmo tipo de situação?
As leis existem, mas se não atuarmos enquanto sociedade para garantir sua aplicabilidade, que passa também pela educação para uma mudança na cultura machista, mulheres seguirão privadas de seus direitos e sofrendo esses tipos de violência, cujos números ainda são assustadores no país. Na pandemia, uma em cada quatro mulheres foi vítima de algum tipo de violência de acordo com levantamento feito pelo DataFolha, encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. De acordo com a pesquisa, cerca de 17 milhões de mulheres (24,4%) sofreram violência física, psicológica ou sexual em 2021.
Saber quais são os tipos de violência a que podemos ser submetidas e as leis que nos garantem proteção é um passo importante.
O Nós fez uma matéria em que lista locais e serviços em que mulheres podem procurar ajuda. Acesse e
espalhe por aí.
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