O primeiro desafio para conversar com o analista financeiro e estudante de administração Eudes Candido Bezerra é vencer a falta de sinal da operadora de celular. O jeito é apelar a chamadas de um aplicativo de mensagens. No Jardim Tupi, distrito do Jardim Ângela, extremo sul de São Paulo, é um serviço de distribuição de sinal do próprio bairro que faz a conexão chegar aonde as grandes operadoras não querem ir.
Sem condições estruturais de manter o home office, que exigia conexão de qualidade para manusear o banco de dados, Eudes muitas vezes teve de sair de casa às cinco da manhã e percorrer a cidade em transporte público por quatro horas para chegar à zona leste, onde ficava a empresa.
Em tempos de desemprego recorde, um aspecto como esse faz toda a diferença na relação entre alta oferta de mão de obra e baixa demanda de emprego para pessoas como o analista financeiro que agora passa por novo processo seletivo. “Meu irmão começou a trabalhar hoje, fez todas as provas pela internet. Eu também participei de um processo por videochamada. Mas só conseguimos ter esse serviço porque há empresas locais. Se fosse pelas operadoras, seria muito difícil”, atesta.
Com a justificativa de democratizar o acesso à internet, inclusive nas periferias, a Lei das Antenas, sancionada pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) no início deste ano, propõe desburocratizar o processo de instalação de infraestrutura de telecomunicações na capital paulista.
Segundo a Lei, os equipamentos poderão ser fixados em qualquer local, inclusive, em imóveis irregulares e tombados, desde que exista uma prévia autorização municipal. A instalação em espaços públicos, como túneis, viadutos, postes e mobiliários urbanos concedidos, também não precisará de licenciamento prévio.
A eficácia da medida como mecanismo para ampliar o acesso e melhorar a qualidade da conexão nas periferias, porém, esbarra na falta de equipamentos capazes de usufruir da melhor velocidade oferecida, aponta o doutor em Ciência Política e pesquisador de redes digitais e tecnologia da informação Sérgio Amadeu.
O especialista diz que grande parte da população acessa a internet com modelos pré-pagos e celulares com qualidade inferior. “A intenção da lei é boa, reconhece que há regiões em que as operadoras não desejam investir, mas não deixa claro nem mesmo qual sinal será oferecido pelas estações rádio-base [equipamentos que fazem a conexão entre os telefones celulares e a companhia telefônica]”, explica.
5G para todos? — Na prática, a Lei 17.733 também pode ter pouca eficácia nas periferias porque não garante que a oferta de estrutura e equipamentos para ampliar o sinal de telefonia móvel e de internet seja efetivamente aplicada.O processo é essencial para preparar a cidade à chegada do 5G, tecnologia de maior velocidade e melhor estabilidade na conexão.
Segundo a Conexis Brasil Digital, organização que representa empresas de telecomunicações, o país precisa ter entre cinco e dez vezes mais antenas do que atualmente possui para se adequar ao novo modelo de redes móveis.
Um dos aspectos incluídos na lei aprovada em São Paulo, o incentivo e condições diferenciadas para a instalação de antenas em três regiões definidas no projeto como prioritárias por conta da baixa oferta das operadoras e que englobam 28 bairros distantes da região central, como Guaianases, na zona leste, e Socorro, na zona sul.
BAIRROS DA PERIFERIA DE SÃO PAULO QUE DEVEM RECEBER ANTENAS REGIÃO SUL: Jardim Ângela, Jardim São Luiz, Cidade Dutra, Pedreira, Grajaú, Marsilac, Parelheiros, Santo Amaro e Socorro REGIÃO NORTE: Anhanguera, Perus, Jaraguá, Brasilândia, Pirituba, Cachoeirinha, Tremembé e Mandaqui REGIÃO LESTE: Jardim Helena, Lajeado, Guaianazes, José Bonifácio, Cidade Tiradentes, Parque do Carmo, Iguatemi, São Rafael, Sapopemba, Itaquera e Ermelino Matarazzo
As companhias, por sua vez, fecharam um acordo para implementar 286 estações rádio-base nos próximos 12 meses em áreas indicadas pelo Executivo e Legislativo paulistano.
Desigualdade também nas redes — Em agosto de 2021, uma pesquisa divulgada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação apontou que o uso da internet no Brasil chegou a 152 milhões de pessoas, o equivalente a 81% da população do País. Mas isso escancara desigualdades. De acordo com o levantamento, o nível de acesso foi de 61% entre os que ganham menos de um salário mínimo, 86% entre os que recebem de três a cinco mínimos e 94% entre os usuários com rendimento acima de dez salários.
Os smartphones e demais aparelhos móveis seguem como os mais utilizados para conexão (99%) e isso, na avaliação de Sérgio Amadeu, deixa evidente uma lacuna na nova lei. “Aprovar a medida sem incluir a obrigatoriedade de instalação de pontos de acesso com internet grátis e banda mínima em áreas de grande fluxo de pessoas, como praças e estações de ônibus, foi uma oportunidade perdida. ”, afirma.
O fato é que o acesso à comunicação, reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como um direito humano, está intimamente relacionado com a sobrevivência.
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