O trabalho da artista visual Aline Bispo é nutrido pela liberdade criativa e por sua vivência periférica. Nascida no Campo Limpo, periferia de São Paulo, Aline faz do próprio movimento — das margens ao centro — um diferencial. “Sempre andei em vários lugares da cidade. Como morava perto do Capão Redondo, sempre observei a diversidade da expressão cultural periférica. Mas quando fui estudar no centro eu comecei a observar que o mundo é diferente da ponte pra cá”, diz.
Ela estudou ilustração, design, artes visuais e grafite. No Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, foi uma das poucas alunas negras — por meio de políticas de acesso ao ensino superior, entrou no ensino privado. Antes de terminar a graduação, já ilustrava reportagens e artigos em veículos de comunicação.
Curadora do acervo do Instituto Ibirapitanga, organização dedicada a equidade racial e sistemas alimentares, Aline é a autora da capa do premiado livro Torto Arado, do geógrafo baiano Itamar Vieira Junior, o mais vendido da Amazon em 2021 e vencedor dos prêmios Leya (2019), Jabuti (2020) e Oceanos (2020). O romance conta a história das irmãs Bibiana e Belonísia, desde a infância, na década de 1960. Elas crescem em uma fazenda onde trabalhadores rurais afro-descendentes são subjugados por seus patrões.
MAIS ALINE BISPO
- Galeria de arte Luis Maluf: A Medicina Rústica, Pinturas de Aline Bispo
- Perfil de Aline Bispo no Instagram
- Arte urbana: registros do painel Salve, Lélia, em São Paulo (para ver, precisa ter conta no Instagram)
Engajamento — Além do trabalho com ilustração e artes visuais, Aline busca impactar positivamente a vida de pessoas periféricas que nunca foram ao museu. Seu projeto Museu nas Férias incentiva a democratização do acesso à arte. Ela também divulga e dá suporte a outros artistas negros.
No momento, está empolgada com a assinatura da nova coleção de uma rede varejista de moda em que as peças levam estampas autorais. “O trabalho com moda tem um lugar especial no campo da memória, pois minha mãe era costureira. Ao mesmo tempo, me encanto com a possibilidade de misturar conceitos, explorar novas abordagens, pois essa liberdade é um desejo ancestral.”
A expressão afrodiaspórica de Aline tem como referência a religião dos povos banto, em que “a entrega é mais importante do que o lugar de culto”, cita. Além da diáspora africana, ela aborda temas como miscigenação e espiritualidade.
Racismo religioso — Autodeclarada negra, a artista utiliza seu corpo e suas questões como mulher negra de pele clara e periférica para denunciar o plano de apagamento histórico da cultura africana no País. Aline Bispo também faz perfomances e homenageia orixás. Em um de seus posicionamentos, aponta a hipocrisia do racismo religioso: a mesma sociedade que consome elementos absorvidos e normalizados no imaginário social brasileiro, permite que terreiros e espaços religiosos de matriz africana sejam perseguidos.
De acordo com dados da Polícia Civil, em São Paulo, os registros deste tipo de crime cresceram quase 22% em 2020. Em 2019, foram 3.969 boletins de ocorrência para casos de intolerância religiosa, contra 3.260 no ano anterior. A média de ocorrências diárias aumentou de 8,93 em 2018 para 10,97 em 2019.
Sobre a diáspora africana Diáspora africana é nome dado à imigração forçada de africanos no tráfico transatlântico de escravizados. Junto com os seres humanos, nesses fluxos forçados embarcavam nos tumbeiros (navios negreiros) modos de vida, culturas, práticas religiosas, línguas e formas de organização política que influenciaram as sociedades de destino. Estima-se que durante tráfico negreiro, 11 milhões de africanos foram transportados para as Américas. Desses, em torno de 5 milhões tiveram vieram para o Brasil. Fonte: Fundação Palmares