Todas as pessoas têm direito garantido pela Constituição federal de 1988 a uma alimentação saudável e de qualidade. O problema é que essa realidade não está presente na mesa de todas as famílias brasileiras. Segundo dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), 116,8 milhões de pessoas conviveram com algum grau de insegurança alimentar entre 2020 e 2022 no Brasil.
Isso se torna mais crítico quando olhamos para a realidade favelada e periférica. Além de viverem cotidianamente com a violação de direitos ligados à segurança pública, saneamento e habitação, o pobre brasileiro se vê em um precipício quando o assunto é alimentação. Para sanar a fome, muitas famílias encontram saídas de consumo no acesso a alimentos que afetam diretamente a sua saúde, como os ultraprocessados.
Como é possível, em um país com dimensões continentais que nem o nosso, ainda existirem pessoas passando fome e sofrendo de insegurança alimentar? Segundo o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) o valor médio da cesta básica em setembro de 2023 foi de R$ 700. Já o salário mínimo hoje é de R$ 1.320. A conta não fecha. Uma família brasileira não consegue se alimentar com segurança ganhando tão pouco.
Mas qual a ligação entre a insegurança alimentar e a crise climática? Toda! Vamos começar pelo que temos em comum: a mudança no clima já está impactando o preço do café. As lavouras de São Paulo e de Minas Gerais já se veem ameaçadas pelo aumento das temperaturas e diminuição dos regimes de chuva, consequência direta da crise climática. Mas não é só sobre o nosso cafezinho de cada dia, pois sem água toda a cadeia de produção de alimentos é afetada, dificultando ainda mais o acesso aos alimentos.
A crise hídrica está totalmente ligada ao desmatamento do Cerrado e da Amazônia. O Cerrado é a “caixa d’água do Brasil”, onde ficam as nascentes de importantes rios, como o São Francisco e o Xingu. Já a Amazônia é responsável pelos “rios voadores”, que são os vapores d’água liberados pela vegetação desse bioma e que ajudam a controlar os regimes de chuva e consequentemente o volume de água presente nos nossos rios.
Enquanto isso, em julho de 2023 tivemos o mês mais quente registrado na Terra. Agora em outubro, estamos assistindo à maior seca em 121 anos na Amazônia. Cidades do Sul do país sofrem com as inundações e o desalojamento compulsório das populações. As pessoas afetadas por esses eventos climáticos já estão sendo afligidas com a falta de acesso a alimentos.
E quem são os responsáveis por esse desmatamento? No Brasil, o principal modelo de produção de alimentos utilizado pelo agronegócio é o de agricultura intensiva em grandes latifúndios. Estamos falando do sistema baseado em plantios de monocultura em larga escala e também da agropecuária extensiva. A destruição de nossas florestas e rios está totalmente ligada a eventos climáticos extremos, causados também pelo método de produção de alimentos vigente no país.
Essas atrocidades do agronegócio geram consequências ambientais e climáticas que afetam o país de ponta a ponta. O desmatamento, o envenenamento dos alimentos por agrotóxicos e a redução da biodiversidade são crimes!
A população preta, favelada e periférica é a mais afetada pelos ônus do agronegócio no Brasil, arcando com as consequências dos desastres climáticos e ambientais, tendo assim de lidar com a fome e a insegurança alimentar. Essa é uma das facetas daquilo que denominamos Racismo Ambiental. A falta de acesso e escolha a alimentos seguros e saudáveis é responsável pelo nutricídio nas periferias brasileiras.
Sabemos que a produção de alimentos é voltada para a exportação, e não para a alimentação da população brasileira. O recado tá dado: a segregação alimentar existe no Brasil e precisamos tomar lado nessa luta contra a fome!
Quando os investimentos feitos pelos poderes públicos aos ecossistemas alimentares agroecológicos e/ou orgânicos serão equivalentes ao que o agronegócio recebe hoje de incentivo fiscal para a produção de alimentos envenenados por agrotóxicos?
É urgente mudarmos a lógica de produção, consumo e distribuição de alimentos, incentivando cada vez mais a agricultura familiar e agroecológica. Só está faltando comida no prato do povo porque a produção e comercialização dos alimentos no Brasil não é voltada para a população periférica. Precisamos construir uma nova geografia alimentar que caiba no bolso e na despensa da classe trabalhadora.
A segurança alimentar abrange tudo isso, somado ao respeito às práticas alimentares de cada povo, levando em consideração o respeito às diversidades culturais, ambientais, econômicas e sociais e de modo sustentável. Seria lindo se todos se beneficiassem com esse sistema produtivo, mas a alimentação saudável ainda é um privilégio de raça e classe social.
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