Fevereiro tem Carnaval, festa que traz em seus enredos muitas pautas do presente e da história do nosso país, problemáticas, vitórias, conquistas, é uma mistura de narrativas para os foliões.
Em 2024, algumas escolas de samba, como a Grande Rio e Sapucaí, trouxeram em seus enredos a representatividade indígena, contando a história de povos como os Yanomami e sua luta pela defesa do bioma Amazônia e todas as ameaças que sofrem em seu território, como o garimpo ilegal. Davi Kopenawa Yanomami esteve pessoalmente nos desfiles e acompanhou o desenvolvimento do enredo até a apresentação na Sapucaí.
A valorização dos povos indígenas como figuras ativas na defesa da vida e não vistos como folclore e passado foi uma das mais importantes mensagens a se ressaltar dessa parceria. Trazer os parentes para participar e permitir que eles se expressem sem intervenção colonial é um exemplo de representatividade.
Mas qual a diferença entre representatividade e representação? – Para nós, povos indígenas, no Carnaval, assim como em muitos outros espaços, a representação é um problema, porque se não feita de forma consultiva e de construção coletiva, mesmo com os povos indígenas, como acontece nos bloquinhos, acaba se tornando mais uma banalidade na reprodução de estereótipos. Um dos exemplos mais comuns é a reprodução de termos inadequados como “tribo”, “índio”, que são termos que não representam toda a diversidade de povos indígenas que existem no Brasil, com seus mais de 305 povos contatados, e que são termos que, desde a colonização, são pejorativos pela forma que são usados, como “índio preguiçoso”, “índio burro” ou “índio anda nu”, palavras usadas para diminuir a identidade dos nossos povos.
Ainda, a utilização de trajes e gestos que não condizem com a nossa realidade, ou que desrespeitam o significado cultural e cosmológico das culturas, como a utilização de cocares e pinturas, e o famoso gesto de bater na boca. Os cocares representam, para muitos povos, status social dentro de uma comunidade, ou mesmo a identidade daquele povo. Usá-los sem conhecimento e ainda atribuindo estereótipos ao uso é não respeitar os povos originários. O mesmo vale para as pinturas, que, dependendo do povo, podem ter diversos significados, sendo algumas usadas apenas em momentos especiais de rituais e que não podem ser banalizadas por pessoas que não conhecem e não respeitam a cultura.
Quanto à questão do gesto de bater na boca, isso também não diz respeito aos povos indígenas sul-americanos. Isso foi construído na memória das pessoas que assistiam a muitos filmes e desenhos, e que associaram aos povos indígenas do Brasil, mas nós não fazemos isso.
Tem ainda a folclorização e sexualização de muitos personagens das mais diversas organizações sociais de povos indígenas que temos no Brasil, como a superprodução com poderes mágicos de voar, olhos de fogo e até cuspir fogo das representações de pajés, e da sexualização do corpo da mulher indígena como objeto de fetiche, não levando em consideração que essa cultura do estupro matou e mata todos os dias mulheres indígenas em todo Brasil. Eu não quero ser sexualizada por ser uma mulher indígena.
Esses são os principais pontos que podemos abordar sobre a importância da representatividade, porque quando a história é contada pelos donos da história, a gente evita que a narrativa tome o rumo contrário. Por muito tempo, muitas pessoas já falaram pelos povos indígenas e chegou o momento de nós sermos protagonistas das nossas histórias e ocuparmos espaços como esse. Pelo menos de visibilidade, já ajuda na desconstrução da sociedade colonial.
Por mais representatividade e menos representação em todos os espaços.
***Este conteúdo é uma coluna de opinião que representa as ideias de quem escreve, não do veículo.