Elas ainda buscam espaço 90 anos após conquista do voto; no Brasil, a representação feminina brasileira na política é uma das menores do mundo
Com reportagem de Adriana Ferraz e Natália Santos
A conquista do voto feminino no Brasil completa 90 anos sem que as mulheres tenham conseguido preencher 4% das 10.658 vagas disputadas na Câmara dos Deputados ao longo das últimas 20 eleições. Desde 1932, quando o Código Eleitoral decretado por Getúlio Vargas permitiu que mulheres votassem e fossem votadas, só 414 mandatos femininos foram registrados. No Senado, a sub-representatividade é ainda maior. Até hoje, só 45 vagas foram ocupadas.
As estatísticas são reflexo de um histórico de desigualdades que começou a ser enfrentado relativamente cedo, mas que ainda está longe de ser vencido ou ao menos equilibrado quando se trata de política. Atualmente, apenas 15% das cadeiras da Câmara são ocupadas por mulheres. Isso apesar de a maioria da população brasileira ser feminina, assim como 52,6% do eleitorado.
O domínio numérico não se traduz em mandatos vencidos ou quantidade de candidaturas também para cargos no Executivo – atualmente, apenas uma mulher exerce a função de governadora, a petista Fátima Bezerra, do Rio Grande do Norte. Se Fátima se reunisse para uma foto oficial com os demais governadores, o resultado seria idêntico ao revelado 88 anos atrás, durante a posse da 36ª legislatura na Câmara Federal. Naquela eleição, Carlota de Queirós foi a primeira e única a ser eleita (foto acima).
Coincidência ou não, o Rio Grande do Norte exerce nesse campo um pioneirismo histórico. Foi lá que se registrou a primeira eleitora do Brasil, assim como a primeira prefeita eleita, em 1928. Mas a luta sufragista começou bem antes, ainda no século 18, e se deve à resiliência de mulheres feministas ainda pouco conhecidas e valorizadas na história política nacional.
AS PRIMEIRAS
- 1927: mulheres se alistam como eleitoras pela primeira vez. A professora Celina Guimarães foi a primeira a votar no Brasil e na América do Sul. Ela se alista no Rio Grande do Norte
- 1929: Alzira Soriano toma posse como prefeita de Lajes (RN), com 60% dos votos. É a pioneira no Brasil. Fica no cargo até o início da Era Vargas
- 1933: a médica paulista Carlota de Queirós é eleita primeira deputada federal na primeira eleição com voto feminino. No ano seguinte, manteve-se no cargo
- 1979: a paulista Eunice Michiles foi a primeira senadora do País ao assumir o mandato de João Bosco, morto três meses após a eleição em decorrência de um AVC. Eunice havia ficado em segundo lugar nas urnas e, por isso, foi diplomada senadora pelo Amazonas, o Estado onde escolheu morar
ANÁLISES
O Brasil teve sua primeira deputada em 1933. A primeira senadora veio 46 anos depois. Só em 1979 é que Eunice Michiles assumiu uma cadeira na Casa. Aos 92 anos, ela se recorda que foi recebida com flores e poesia.
Eu sentia muito carinho, mas pela ‘dama’ e não pela ‘colega de trabalho’. Eu sentia claramente isso (Eunice MIchiles, primeira senadora do Brasil)
Hoje aposentada da política, ela conta que a adaptação ao ambiente do plenário, que nem sequer tinha banheiro feminino, foi um processo intenso. “Eu me sentia muito apavorada, mas, com o tempo, consegui sentir que estava fazendo o meu caminho e dando o meu recado.” Progressista, Eunice defendia a liberdade religiosa e o direito de a mulher planejar ter ou não filhos.
Eu acho que não há mais essa palavra preconceito, principalmente de oito anos para cá. O que existe é uma violência política velada (…). [Os colegas] nem sempre percebem a violência que provocam quando interrompem a mulher numa reunião. Nessa hora, o burburinho aumenta e é preciso que a gente eleve a voz ou às vezes até bata na mesa”
A cientista política Graziella Testa, da Escola de Políticas Públicas e Governo da FGV, afirma que as pioneiras da política brasileira não conseguiram gerar uma trilha para que outras mulheres também passassem e, segundo diz, em função da concentração de renda.
O voto dependia disso, era uma questão de renda mesmo. Em 1932, o índice de analfabetismo era muito alto (Graziella Testa, cientista política)
Para a deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP), o avanço registrado nos últimos anos é muito lento, mas pode ser acelerado a partir da regra que dobra o valor do voto feminino no cálculo do fundo eleitoral. Isso, segundo ela, leva os partidos a buscarem, encontrarem, apoiarem e incentivarem mulheres que já são líderes em seus grupos.
As mulheres são tão interessadas pela política quanto os homens, são tão talentosas quanto os homens. O que falta é incentivo, é apoio (Tabata Amaral, deputada federal (PSB))
Primeira vereadora trans de São Paulo, Erika Hilton (PSol) diz que está na hora de o Brasil ter uma lei que de fato incentive a mulher a se posicionar politicamente e ajude a quebrar os ataques sistêmicos em relação àquelas que já participam da vida pública.
Essas mulheres são perseguidas, ameaçadas, silenciadas e têm seus projetos boicotados. São ainda assediadas porque os homens acham que aquele espaço é deles (Erika Hilton, vereadora de São Paulo (PSol))
O sentimento de Erika não é novo. Josefina Álvares de Azevedo, uma das principais sufragistas brasileiras, já escrevia em 1888, nas páginas de seu jornal, A Família, que “a igualdade entre os sexos seria o único caminho para a evolução da Pátria” e que seu desejo era ver a mulher brasileira se tornar “instruída e livre”. E, logo no primeiro exemplar, chocou ao falar de política.
A mulher em tudo deveria competir com os homens, seja no governo da família ou na direção do Estado (Josefina Álvares de Azevedo, uma das principais sufragistas brasileiras)
LEIA A COBERTURA COMPLETA NO INFOGRÁFICO LUTA SUFRAGISTA, NO ESTADÃO