16 janeiro 2023 em Meio Ambiente

As milhares de árvores ao longo do Parque Linear Tiquatira são obra de Hélio Silva, de 71 anos

Uma faixa verde com mais de 37 mil árvores enfileiradas por três quilômetros de avenidas no bairro da Penha, zona leste de São Paulo, é obra de uma única pessoa: Hélio Silva.

Já são 20 anos, dos 71 vividos pelo administrador de empresas aposentado, dedicados ao plantio de diferentes espécies no entorno do Córrego Tiquatira, ao longo das avenidas Governador Carvalho Pinto, Doutor Assis Ribeiro e Cangaíba. De seu trabalho e resiliência, nasceu o Parque Linear Tiquatira, o primeiro nessa modalidade na Capital.

A primeira árvore foi plantada em novembro de 2003 em um espaço que, na época, era depósito de lixo e concentrava usuários de drogas. Durante uma caminhada, veio a ideia de transformar a área. Ao pesquisar, Hélio descobriu que ali, muitos anos antes, havia espécies da Mata Atlântica.

Resolveu então plantar centenas de mudas. No começo, enfrentou resistência de um comerciante local que usava o espaço como estacionamento, recorda. Viu as primeiras plantas serem arrancadas. Plantou outras 400. E assim seguiu até conquistar o apoio dos moradores. Veio em seguida o suporte oficial da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, da Prefeitura de São Paulo, que criou o parque, em 2008.

“Tenho minhas queridas, mais de 37 mil filhas e filhos ecológicos. Conheço todos. Tenho a certidão de nascimento, dia, horário, foto”, diz, ao explicar que registra tudo para deixar aos seus netos, bisnetos e tataranetos que virão. Até o dia 14 de dezembro, a conta estava em 37.781.

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O lindo cenário foi possível porque Hélio planejou onde, qual espécie e como instalar as “moradoras” do local, de forma que pudessem crescer saudáveis, sem esquecer de deixar caminhos para as pessoas usufruírem do ambiente. Atualmente, são mais de 150 espécies no parque: Jequitibá, Aroeira, Jacarandá, pés de amoras, pitanga, goiaba e muito mais. A iniciativa mudou a relação dos moradores da Penha com o local.

“As pessoas passaram a frequentar, conversar, fazer amizades. Algumas dizem que eram depressivas, que não saiam de suas casas e me agradecem. Eu é que fico grato. Plantar árvores é questão de saúde pública. Com mais parques precisaríamos de menos hospitais”, afirmou.

Hélio lista, ainda, outros benefícios. “Elas regulam o clima, fornecem sombra, atraem pássaros, retêm chuvas nas copas e galhos, reduzindo enchentes, dão frutos. E tudo de graça.” Ele destaca também o caráter democrático dos parques, que abarcam todas as faixas etárias e classes sociais.

Formado em administração de empresas, Hélio costuma ir ao parque quase todos os dias, seja para cuidar das árvores, seja apenas para passear. Hoje aposentado e com uma rotina de trabalho mais calma, resta mais tempo para sua “missão”. Seu sonho é plantar 50 mil árvores. “Faço porque gosto e transformei em missão desde o primeiro dia. Sonho sem atitude não serve de nada”, afirma. Além disso, Hélio tem um projeto para criar um instituto de cuidador de árvores. “Existe cuidador de crianças, de idosos… Mas e das árvores, quem cuida?”, pergunta.

Ao longo dos últimos 19 anos, alguns voluntários o auxiliaram. Duas pessoas ficaram cinco anos, mas a média de permanência é um mês. Hoje em dia, conta com dois ou três ajudantes, quando eles têm disponibilidade.

Investimento

Hélio veio do interior de São Paulo, de Promissão, há 62 anos, para a zona leste, de onde nunca saiu e não pretende sair. A dedicação ao plantio de árvores é uma forma de retribuir o que a cidade lhe deu, diz: estudo, trabalho e uma família. Não tem cálculos exatos, mas estima que investe uma média de R$ 18 mil por ano nos plantios.

Além da compra das mudas, que busca em cidades do interior, como Piracicaba e Limeira, tira do bolso os gastos com combustível, pedágio, remuneração de alguns contratados, entre outros itens. Ele planta, limpa, cuida e recupera. Em épocas de muita estiagem, leva água para regar.

Hélio cuida de um galho quebrado no Parque Tiquatira – Crédito: L. Santana/Estadão Expresso Bairros

 

O plantio não se restringe ao parque. A ação foi levada a outras terras no entorno da Penha, como na área do piscinão, que recebeu 3.700 árvores, e até outras cidades. Itapecerica da Serra e Jacareí entre elas. Ao ser questionado sobre como aprendeu, explica que foi fuçando. “Vou para o mato, pergunto para o candango, faço análises e comparações. Um mateiro conhece a floresta amazônica mil vezes mais do que um profissional formado”, garante. Os livros também ajudaram.

Hélio é pai de três filhos, todos formados na Universidade de São Paulo (USP). Os valores que carrega e repassou a eles, conta, recebeu do pai. “Um analfabeto me deu MBA de princípio”, diz. Também é avô de quatro netos, com os quais cultiva o amor pelas árvores, ensinando-os a plantar e a manter vivo seu legado.