Programa acolhe crianças afastadas das famílias em SP
Das cerca de 30 mil crianças e adolescentes que se encontram afastados de suas famílias por medida protetiva hoje no Brasil, a grande maioria está em instituições de acolhimento, os chamados abrigos.
Apenas 5% estão com famílias do Serviço Família Acolhedora (SFA), política pública prevista na Proteção Social Especial de Alta Complexidade (PSEAC) desde 2004. Por isso, organizações e o poder público buscam aumentar o conhecimento dele por parte da sociedade civil.
O serviço Família Acolhedora foi implementado na cidade de São Paulo em 2020 pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads), em parceria com Organizações da Sociedade Civil.
O objetivo, segundo a administração municipal, é reduzir a vulnerabilidade na primeira infância. É oferecido acolhimento provisório à criança ou adolescente afastado do convívio familiar até que seja viável seu retorno à família de origem ou família extensa ou, ainda, encaminhamento para adoção.
Testemunho
Flora e Rafael durante entrevista ao Expresso São Paulo – Foto: L. Santana/Especial para o Estadão
Para Flora Cytrynowicz e Rafael Fuess Nishimura, que realizaram o primeiro acolhimento em janeiro deste ano, a experiência foi transformadora.
“Brinco que estou espalhando a palavra do acolhimento familiar, porque é muito importante que as pessoas saibam que isso existe. Faz diferença no tipo de humanidade que a gente quer ser no futuro”, conta a doula de adoção em formação.
Ela conheceu a política pública em 2015 e pensou sobre fazer parte dela por sete anos. A decisão veio em novembro do ano passado. “O assunto ficava na minha cabeça, eu pensava ‘isso é muito necessário, mas não é pra mim, não conseguiria cuidar de uma criança e depois ter que me despedir dela’. O que é engraçado, porque é exatamente o que a gente ouve de todo mundo que a gente conta sobre”, relata.
A criança acolhida pelo casal chegou com um mês de vida e ficou com eles seis meses. “É a coisa com mais senso de importância que eu já fiz, e foi muito profundo ver o salto de desenvolvimento que ela deu enquanto estava com a gente”, reflete Flora.
Atualmente, a capacidade do serviço é de 130 vagas, considerando que cada família acolhedora deverá acolher uma criança por vez — exceto quando se tratar de grupo de irmãos, quando esse número poderá ser ampliado.
Considera-se que essa modalidade de acolhimento oferece condições mais propícias ao pleno desenvolvimento com segurança e afeto, já que crianças que viveram ou vivem em instituições, em detrimento ao convívio familiar, costumam apresentar prejuízos ou limitações em seu processo de desenvolvimento.
Para Rafael, que é consultor de desenvolvimento humano e organizacional, trata-se de uma responsabilidade social: “Teoricamente, a Constituição já diz que é nossa responsabilidade cuidar de todas as crianças. E aí veio muito nessa perspectiva de quais são esses movimentos individuais que a gente pode fazer na prática”, diz.
A experiência fez o casal refletir sobre a organização dos núcleos familiares e da sociedade no que diz respeito ao cuidado com as crianças.
“É uma questão de ser rede de apoio para uma família que a gente nem conhece. Tem uma frase que a cada dia faz mais sentido pra mim, que diz que ‘precisa de uma aldeia inteira para cuidar de uma criança’. A gente vive em uma metrópole, mas como é que a gente pode repensar isso para criar nem que seja pequenas aldeias dentro da cidade de São Paulo?” pondera Rafael.
Números
Desde o início do serviço, o Família Acolhedora realizou mais de 30 mil acolhimentos até julho deste ano, sendo 4.268 acolhimentos em 2020; 7.711 em 2021; 11.632 em 2022; e 6.416 acolhimentos em 2023.
No município, o foco do serviço são as crianças de zero a seis anos, idade da primeira infância. A meta municipal é ampliar gradativamente para até 17 anos e 11 meses, conforme realização de planejamento e avaliação com a consolidação do serviço.
A Smads destaca que 84% dos acolhidos desde o início do serviço são crianças na primeira infância; 11% dos acolhidos têm entre 6 e 11 anos e 4% têm entre 15 e 17 anos.
O SFA segue diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que determina em seu Artigo 34, Parágrafo 1º, que “a inclusão da criança ou adolescente em serviços de acolhimento familiar terá preferência a seu acolhimento institucional, observado, em qualquer caso, o caráter temporário e excepcional da medida, nos termos desta lei”.
Como funciona o Serviço Família Acolhedora
Podem ser famílias acolhedoras pessoas maiores de 18 anos, sem restrição de gênero ou estado civil. O serviço não restringe estruturas familiares ou renda familiar, desde que a família tenha possibilidade de oferecer moradia e estrutura básicas para o crescimento da criança. O acolhimento dura no máximo 18 meses e em média de 6 a 9 meses — cada caso é analisado individualmente.
Famílias que tenham interesse em participar do SFA podem procurar um dos Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) participantes e realizar a inscrição. As unidades regionais dos Creas são responsáveis por acompanhar, monitorar e avaliar a evolução da execução do Família Acolhedora, além de oferecer suporte técnico às organizações parceiras e executoras do processo.
Depois da avaliação dos documentos necessários, as famílias passam por um estudo psicossocial que as identifica como qualificadas ou não para sua participação no serviço. As qualificadas precisam participar de um processo de formação da Smads. Só então podem ser consideradas habilitadas para acolher uma criança, e devem participar das atividades propostas pela equipe técnica dos serviços.
No processo de habilitação, que tem cerca de 20 horas, são abordados temas como a história da institucionalização de crianças no Brasil, legislação, racismo e branquitude, cuidados a se ter na chegada da criança e mesmo como lidar com o luto de quando ela vai embora. “Uma pergunta que a gente ouve muito é se não temos medo de nos apegar, mas a ideia é que a gente se apegue, porque é a partir do apego que a gente cria o vínculo que permite que ela tenha um ambiente para se desenvolver”, explica Flora.
Diferente da adoção, o acolhimento familiar de crianças e adolescentes que tiveram seus direitos violados é um trabalho social voluntário temporário. A família acolhedora recebe a guarda provisória, além de uma ajuda de custo e o suporte de uma equipe profissional de assistência social.
Estão entre suas atribuições assumir todas as responsabilidades e os cuidados de uma família: cuidar da saúde, educação, vida em comunidade e convivência familiar da criança ou adolescente, assim como dispor de tempo para participar de reuniões e dinâmicas que irão auxiliar na forma de tratamento operacional e emotivo da criança.
Requisitos para participar:
- Não estar no Cadastro Nacional de Adoção (CNA);
- Ter a documentação em ordem: RG, CPF, comprovante de residência e de rendimentos, certidão negativa de antecedentes criminais e atestado de saúde física e mental;
- Não ter comprometimento psiquiátrico e dependência alcoólica ou de substâncias psicoativas;
- Ter disponibilidade de tempo, tanto nos cuidados com a criança como para as demandas de acompanhamento da equipe do serviço;
- Comprometer-se em exercer a função de proteção até o encaminhamento da criança;
- Apresentar disponibilidade interna para se preparar continuamente para o momento da despedida.
Serviço:
Creas SÉ (Bairros República; Santa Cecília; Bom Retiro; Sé; Consolação; Bela Vista; Liberdade; Cambuci)
Endereço: Rua Bandeirantes, 55 – Bom Retiro
Telefone: (11) 2383-4480
E-mail: creasse@prefeitura.sp.gov.br
Creas Santana (Bairros Mandaqui; Santana; Tucuruvi)
Endereço: Rua Voluntários da Pátria, 4649 – Santana
Telefone: (11) 4571-0293
E-mail: creassantana@prefeitura.sp.gov.br
Creas Santo Amaro (Bairros Santo Amaro; Campo Grande; Campo Belo)
Endereço: Rua Padre José de Anchieta, 802 – Santo Amaro
Telefone: (11) 5524-1305
E-mail: creassantoamaro@prefeitura.sp.gov.br