É praticamente uma epidemia: segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil tem o maior número de pessoas ansiosas do mundo: 18,6 milhões de brasileiros (9,3% da população) convivem com o transtorno. Como impedir que o medo paute nossos dias?
Sim, há muitos brasileiros ansiosos. Mas o tabu em relação ao tratamento e ao uso de medicamentos permanece. Daniel Martins de Barros, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, confirma o diagnóstico de resistência: “As duas frases que eu mais ouço na clínica são ‘eu não queria tomar remédio’, na primeira consulta, e ‘eu não queria parar de tomar os remédios’, na consulta seguinte. A gente tem muita resistência porque existem muitos mitos: ficar viciado, bobo, impotente, engordar”. Barros explica que todo remédio pode ter efeitos colaterais, mas só é receitado quando existir uma relação de custo-benefício a favor do paciente.
Ansiedade é como pressão alta: quando descontrola, às vezes é para sempre. Você pode controlar com atividade física, meditação, terapia, mas ela vai estar sempre ali te ameaçando. (…) Há desde indivíduos que terão alta e nunca mais precisarão de remédios até outros que dependerão de medicamentos para o resto da vida
Daniel Martins de Barros, psiquiatra
Neury Botega, psiquiatra da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que há 30 anos os médicos dispunham de recursos inadequados para tratar a ansiedade. “Ou usávamos drogas bem pesadas, como barbitúricos, ou as que existem até hoje, como as faixas pretas, os benzodiazepínicos. Por isso, nós vimos várias tias, avós, viciadas em remédios e essa é uma das imagens grava – das quando pensamos em trata – mentos psiquiátricos.” Não é mais assim. A partir de 1990, a fluoxetina, conheci – da como Prozac, torna-se popular e muda o paradigma do tratamento da ansiedade: “Hoje, para tratá-la, na maioria das vezes usamos medicamentos que aumentam a atividade de um neurotransmissor chamado serotonina. É o nosso ‘bombril’: mil e uma utilidades”, diz Botega.
Segundo o médico, o tratamento está baseado no tripé medicamento, psicoterapia e mudança de hábito. Sendo que a psicoterapia é importante para mudar hábitos arraigados e para esclarecer os significados das ações do paciente, porque muitas vezes a pessoa não vê o que ela mais precisa enxergar.
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
Para tratar direito, é preciso identificar corretamente
Ficar preso no trânsito, falar em público, passar por entrevista de emprego, paquerar, fazer compras. Para pessoas ansiosas, situações cotidianas são verdadeiros desafios.
PÂNICO Caracteriza-se por ataques de pânico recorrentes ou inesperados (palpitações, medo de morrer, calafrios, náuseas). Podem ser desencadeados por um episódio ou de forma espontânea, sem causa identificada.
AGORAFOBIA Medo ou ansiedade exagerados em locais com muitas pessoas, como transportes públicos. A pessoa tem a sensação de desfalecimento e teme que não dê tempo de alguém socorrê-la.
FOBIAS ESPECÍFICAS Medo ou sintomas ansiosos intensos em relação a objetos ou situações, como altura, animais, fenômenos naturais, sangue, locais fechados. Esses são os tipos mais encontrados.
FOBIA SOCIAL Medo e nervosismo acentuados em relação a situações sociais quando o indivíduo é exposto a possíveis ou imaginárias avaliações por outras pessoas.
TRANSTORNO DE ANSIEDADE GENERALIZADA (TAG) Preocupações excessivas com atividades e eventos da vida cotidiana, ocorrendo na maioria dos dias, por pelo menos seis meses.
ANSIEDADE DE SEPARAÇÃO Ocorre mais na primeira infância até o início da vida escolar. É o sofrimento diante da ocorrência ou previsão de afastamento de casa ou pessoas próximas.
MUTISMO SELETIVO Fracasso persistente para falar em situações sociais específicas. A duração mínima é de um mês. De rara incidência.
TRANSTORNO DE ANSIEDADE INDUZIDO POR SUBSTÂNCIA/MEDICAMENTO O quadro predominante são ataques de pânico ou forte ansiedade com sintomas autonômicos; falta de ar e inquietação.
TRANSTORNO DE ANSIEDADE DEVIDO A OUTRA CONDIÇÃO MÉDICA Tensão e ataques de pânico relacionados a uma patologia, com expectativa catastrófica. É mais comum após intervenção médica ou depois de procedimento de risco.
FONTE: ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA
CHORAR FAZ BEM “O choro nos livra de toxinas ou provoca algum tipo de mudança biológica que nos ajuda a lidar com situações estressantes ou dolorosas”, diz Leah Sharman, cientista do departamento
de psicologia da Universidade de Queensland, na Austrália
SOB PRESSÃO
A preocupação é constante. Quando buscar ajuda?
A sociedade contemporânea é uma fonte permanente de ansiedade. Desemprego, trabalho precarizado, relacionamentos superficiais, criminalidade urbana, catástrofes climáticas, hiperatividade e hipertransparência estimuladas pelas redes sociais e pelo trabalho. O indivíduo é bombardeado por estímulos e pressões de desempenho o tempo todo.
1. PROCURE UM MÉDICO
“Ansiedade é preocupação, preparação para o futuro. É antecipar o que vai acontecer. Quando ela começa a mandar em você, ou seja, quando os sintomas começam a interferir de forma a prejudicar a vida cotidiana, é hora de procurar ajuda”, diz o psiquiatra Daniel Martins de Barros.
2. FAÇA O TRATAMENTO
Segundo o psiquiatra Neury Botega, cabe ao médico fazer o diagnósticopreciso e manejar o tratamento. Às vezes, embora o diagnóstico esteja correto, é necessário ainda convencer o paciente. E se ele não aceitar tratamento ou remédio? “É comum a resistência, ou acharem que, por terem de aumentar a dose, estão mal de saúde. Essa impressão na psiquiatria é muito impactante” – e não costuma ocorrer em outras enfermidades, como diabetes e problemas de colesterol.
3. FAÇA A SUA PARTE
Além de levar o tratamento a sério, é importante construir um ambiente menos ansioso. Ioga, meditação, respiração diafragmática e atenção plena durante algum tempo são práticas que fazem diferença. “Precisamos aprender a criar ‘ilhas zen’ que podem durar dois, três minutos. Sem mudança de hábito é ilusão achar que só o medicamento vai resolver”, diz Botega.
PONTOS DE ATENÇÃO
Quem vive com o pé no acelerador está no ‘grupo de risco’
A pressão social, do mercado ou da família encontra em pessoas predispostas geneticamente o ambiente perfeito para a ansiedade, uma doença que, se não tratada, pode levar à depressão. Em situações extremas, a pessoa perde a esperança na vida e sua visão de futuro se estreita.
• Há doentes em todas as faixas etárias. Crianças também sofrem.
• Os médicos pedem atenção redobrada dos professores a alunos que se mostrem sempre dispersos, nervosos ou que abandonem tarefas pela metade. É preciso conversar com a família, porque o problema talvez esteja em casa.
• O estímulo à ansiedade entre os jovens reside também em escolas e professores que cobram dos alunos resultados superiores para melhorar o conceito da instituição de ensino.
• Uma coisa é se cobrar, outra é ter problemas físicos e sociais. Sinais de alerta: falta de sono, indisposição, irritação, permanente desconforto, ideia fixa que causa tonturas, suor exagerado e palpitações.
• Muitas pessoas reconhecem sintomas e diagnósticos, mas fogem do tratamento. Às vezes, por puro preconceito. Não sabote sua saúde. Cuide-se, para viver melhor.
• O tratamento permite que o paciente viva bem e, em alguns casos, tenha alta, livrando-se para sempre das crises. Mas há doentes crônicos, para os quais a medicação será dada a vida toda.
• Reflita sobre as formas de usar o tempo: talvez seja hora, além de se tratar, de abrir espaço na agenda, sair de redes sociais.
PENSE NISSO
“Nunca se mirou tanto o futuro e isso afeta diretamente a vida das crianças, o tempo todo avaliadas”
Rosely Sayão, psicóloga“Estamos condicionados a suprir desejos que não são nossos. As propagandas, o culto às celebridades e a veneração da felicidade na internet criaram um roteiro do que deve ser almejado. A sociedade contemporânea criou uma necessidade de aceitação que sufoca os indivíduos”
Maria Homem, psicanalista e professora da Faap“Os jovens de hoje, como seus pais, precisam parecer sempre felizes e realizados nas postagens das redes sociais, criativos em tempo integral e donos de corpos perfeitos. Vivemos a teologia do empreendedorismo. Com ela você aprende que basta o desejo para ser um pianista perfeito ou um Leonardo da Vinci.
E, claro, ainda precisa ser magro!”
Leandro Karnal, historiador e colunista do Estado.
Reportagem de Raul Galhardi, Marcos Rogério Lopes e Felipe Siqueira, especial para o Estado