Nem sempre ela (a vida) é uma festa. Por isso, mandamos uma chuva de ideias que ajudam a viver melhor (mesmo quando tudo parece jogar contra). Como você lida com a pedreira dos dias?
Não tem receita: é questão de mover-se, nos sentidos real e figurado.
MOVIMENTO
Não precisa frequentar academia de ginástica, correr maratona ou fazer musculação. Mas, para quem gosta, isso é bem-vindo. A chave geral do movimento, no entanto, está em abrir a porta e sair para o mundo, quando quiser e puder, ou ainda enxergar e usar o que o estimula dentro ou fora de casa. Escolhas possíveis: caminhar, dançar no meio da sala de olhos fechados e braços abertos, exercitar-se por trinta minutos todos os dias, cultivar um jardim, inventar uma horta na varanda, andar sem destino por alguns minutos vendo a vida, usar bicicleta, trocar elevador por escada e carros por pernas, sempre que viável.
RELAÇÃO COM O CORPO
Quem já ouviu falar de blue zones – lugares do mundo em que as pessoas vivem mais e melhor em virtude das condições disponíveis ou criadas por suas próprias atitudes – conhece a importância de estar no mundo com o próprio corpo e de usar o corpo para realizar coisas e obter prazer e saúde. Entre hábitos e costumes comuns, moradores de blue zones movem-se com naturalidade. Vão buscar o que precisam. É uma questão “de menos”: menos redoma e menos bunker de segurança, menos medo de subir em árvore e menos motor mecânico e mais pernas e braços. Menos isolamento e mais disposição para estar junto e contribuir. A princípio, para quem vive em centros urbanos, isso pode parecer especialmente desafiador. Mas é importante sair e usar o próprio corpo no mundo, seja como presença, seja como instrumento de alcance.
AUTOCONHECIMENTO
Em muitos casos a pessoa não percebe a felicidade porque se conhece pouco. O que gosta, desgosta, cansa? O que pensa que gosta e não é bem assim? Com que frequência acessa o que descansa e faz bem? E com que frequência abre mão disso no automático, sem refletir? Por que? Respiração, atenção e meditação contribuem muito para esse “estudo de si”, do corpo, das emoções e das ideias. A psicanálise funciona para uns, as boas conversas também. Ou tudo junto e equilibrado.
PROJETO
É importante ter para onde ir. Uma espécie de propósito, um plano, um projeto, um estímulo. Escolhas possíveis: mesmo que no momento você não esteja fazendo exatamente “o que quer”, procure o prazer no caminho, ainda que (ou sobretudo se) esse caminho conduz para a saída. E combine desejos e atitudes coerentes com o “destino almejado”. Construa.
RELACIONAMENTO
O contentamento não é dado e não pode ser vivido por meio de outra pessoa e menos ainda encerrado em um dispositivo eletrônico. A felicidade não é um presente do parceiro, dos filhos, dos amigos, do jogo de cliques e likes das redes sociais. Estar de verdade com o outro significa ir até ele, encontrar, ter respeito e abertura e disponibilidade. Compartilhar projetos e sonhos. Saber ouvir e saber falar. Respeitar silêncios. Essa dinâmica produz relacionamentos saudáveis, vivos, gostosos e que nos fazem bem. E produz também discernimento para perceber o que é ilusão e se desmancha num sopro e o que tem consistência.
TRABALHO
Não é a promoção no trabalho que abre o caminho para a felicidade. É mais o que cada um faz com eles, a promoção e o trabalho. Procurar atribuir sentido às funções ajuda a suportar as dificuldades do dia a dia. Em tempo: se o ambiente está ruim, sorrir e tentar interagir de outra forma ajuda a melhorar. Ou não. Ser espontâneo e alegre em um grupo fechado e sisudo pode não dar certo. Antonio Prates, especialista em desenvolvimento pessoal e criador do canal Vida com Método, recomenda observar e saber reconhecer quando o problema não é você. É possível, em um caso assim, que seja melhorar procurar outro lugar para estar.
DINHEIRO
As sondagens de bem-estar feitas pelo mundo mostram que felicidade e percepção de felicidade estão associadas com uma renda melhor. Dinheiro encurta distâncias? Amplia as possibilidades? Claro. Mas ele também aumenta as diferenças. É preciso saber ir buscar e saber lidar com o que conseguir.
RESPIRAR E DESACELERAR
Todos vivem situações de estresse. Mas estar em estresse constante leva a problemas de saúde física e mental. Escolhas possíveis: tirar minutos do dia para relaxar, descansar a mente, dormir, respirar, prestar atenção nas coisas, se concentrar nas refeições.
ALIMENTAÇÃO
Ter uma boa relação com a comida, sem paranoia, pode não ser fácil para todo mundo. No geral, porém, a recomendação é buscar informação e produtos de qualidade e se alimentar de um jeito certo. Sem exagero de quantidade e preocupação. É bom estar atento aos sinais do corpo, respeitar a saciedade, incluir frutas, verduras, cereais, sementes, leguminosas. Evitar processados, industrializados e muito açúcar. Comer peixe. Lembrar que café bom e chocolate com bastante cacau fazem bem pode ser uma fonte de alegria, não?
SUSTENTABILIDADE
As mudanças climáticas são reais. As causas ambientais, legítimas. Os carros poluem e congestionam. Os recursos não são infinitos. O agricultor sofre com o uso de agrotóxicos, e quem consome os produtos agrícolas também. O que você quer fazer para as pessoas mais próximas de você ou para o mundo? É possível alinhar ou adaptar esse desejo ao que você faz em seu trabalho? No dia a dia, quais são as decisões a favor de um planeta melhor? Separar os resíduos. Desperdiçar menos. Pensar mais antes de comprar.
CONSUMO INTELIGENTE
Voltamos ao tema sustentabilidade. É preciso saber investir no que dura mais. Saber onde colocar dinheiro e energia, consumir do jeito certo: consciente – o que muitas vezes significa abrir mão do que é mais barato, mas foi feito do jeito errado (explorando pessoas, colocando a saúde delas em risco e pagando pouco por sua mão de obra, por exemplo). E consumir não é só comprar com moeda, mas com suas escolhas e sua disposição. O ser humano “compra” ideias, informação e conhecimento. Lazer, cultura, opinião. Esse tipo de aquisição também requer chão, base, reflexão e responsabilidade.
VIVER O ENTORNO
Andar por aí, conhecer sua rua, seu bairro e sua cidade. Comprar do vizinho. Usufruir do privilégio que é caminhar até a escola das crianças, quando isso for possível e, quando não for, parar o carro longe. Fazer caminhos diferentes. No banco do passageiro, tirar o olho do celular e erguer a cabeça para a janela. O que tem lá fora? Por que há cada vez mais gente vivendo na rua? Falar e refletir sobre e, uma vez que é assim, o que dá para fazer para mudar, para que o espaço público seja algo melhor e possível, hoje e no futuro?
CULTURA E LAZER
Para todas as idades, o consumo de produtos culturais e de lazer proporciona prazer e amplia horizontes. Às vezes as duas coisas, às vezes um e outro. Levados um pouco mais a sério, porém, esses produtos podem ajudar a relativizar, a compreender muitas coisas da vida pessoal e muito das questões contemporâneas que a sociedade enfrenta e até a atribuir sentido ao que parece vazio. Isso é plural (e, claro, afetado pela questão do gosto): livros, filmes, séries de TV, peças de teatro, artes plásticas, músicas, passeios, museus, caminhadas e viagens de todos os tamanhos.
LEITURA E CORAGEM
No artigo “Pode A Leitura Te Fazer Feliz?”, publicado na revista The New Yorker, a autora Ceridwen Dovey responde ao título com um categórico sim embasado em experiência própria e pesquisa. Ela fala de livros (e não de e-mails e posts e mensagens eletrônicas curtas) e discorre sobre como a literatura tem o poder de mudar a vida e operar tantas transformações importantes. De novo, é questão de gosto, escolha e abertura. A exemplo do que ocorre com outros produtos culturais, a leitura pode tanto levar a uma escapada inofensiva quanto incomodar, mexer em camadas mais profundas. Saber transitar nesses dois mundos pode ser uma fonte importante de repertório crítico e oferecer ao leitor outros jeitos de enxergar e perceber o mundo e a si mesmo.
ENCARAR A REALIDADE
De novo: não dá para ser feliz sete dias por semana, 24 horas por dia. O jeito é aguentar. Escolhas possíveis? Obter conhecimento e informação de qualidade. Mais bom-senso e menos preguiça. Escutar o outro, conversar, refletir, relativizar – o que significa, entre outras coisas, lembrar do sentido de palavras importantes, a exemplo de “temporário” e “provisório”, e pensar e agir pautado pelo que dá para fazer (mais do que lamentar o que não é possível).
ENXERGUE AS BRECHAS
Uma reunião começa na hora e transcorre sem enrolação. A consulta médica atrasa e na espera surge a oportunidade de responder uma mensagem importante. Hoje tem o prato preferido no bandejão da firma. Lembrar que guardou aquele doce para mais tarde (e mais tarde chegou!). Gislene Isquierdo, psicóloga especializada em “destravar emocionalmente” as pessoas, diz que anotar fatos assim de todos os dias nos mostra alegrias e diminui a ansiedade “para que algo bom aconteça”.
ESSA TAL FELICIDADE
Ninguém é feliz o tempo todo e alegria exagerada e saltitante, a essa altura do campeonato (sem trocadilhos), sugere certa alienação da realidade. Podemos, no entanto, olhar para as coisas como elas são. O que dá para resolver é resolvido, o que não tem remédio precisa enfrentar e o que nos escapa, bem, escapa.
LUXOS POSSÍVEIS
No mais, é agarrar as sensações boas dos luxos possíveis e que quase sempre nos rodeiam como se não fossem nada: uma pausa para respirar, um café com bobagem, um doce preferido para quebrar uma sequência de tarefas complicadas. Fazer um trabalho bacana, receber por ele, pagar as contas em dia. Ter tempo. Estar por perto para perceber o salto de crescimento de um filho pequeno e saber o que ele tem a dizer com gestos e palavras. É por aí.
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Tudo colorido por mais tempo
Há no mundo localidades em que as pessoas vivem mais e melhor. A nutricionista Alessandra Luglio escreveu a respeito dessas blue zones, como são chamadas, em seu blog de sustentabilidade hospedado no site do Estadão. “São lugares onde o estilo de vida é extraordinário e pessoas de mais de 105 anos parecem ter 70. Suas populações apresentam pontos em comum, incluindo dieta próxima do modelo mediterrâneo, atividade física diária e uma atitude positiva em relação à vida.”
O conceito de blue zone surgiu após estudos realizados, desde 2004, onde há uma forte relação entre a longevidade e a baixa incidência de doenças crônicas. Primeiro, pesquisadores descobriram que a província de Nuoro, na Sardenha, tinha alta concentração de centenários. Depois, jornalistas, médicos, antropólogos, demógrafos e epidemiologistas se juntaram para identificar outras áreas do mundo onde a longevidade é maior e estudar suas características. Com o tempo, outras quatro blue zones foram listadas: a ilha de Ikaria (Grécia), Okinawa (Japão), a península de Nicoya (Costa Rica) e a aldeia de Loma Linda, no sul da Califórnia (Estados Unidos).
Pontos em comum dos moradores desses lugares no caminho da longevidade:
- MOVER-SE NATURALMENTE. USAR O CORPO PARA IR E VIR
- SER GENTIL E DISPONÍVEL AO BEM COMUM
- TER UM PROPÓSITO, UM PROJETO, UM ‘PARA ONDE IR’
- DIMINUIR O RITMO. VALORIZAR A CORRERIA POR QUE?
- COMER DIREITO E COM MODERAÇÃO
- BEBER VINHO DE FORMA MODERADA E REGULAR
- VIVER ENTRE AMORES E AMIGOS. QUANTIDADE NÃO É QUALIDADE
- ALIMENTAR O REPERTÓRIO DE CONHECIMENTO E AUTOCONHECIMENTO, PARA LIDAR COM TUDO O QUE MUITAS VEZES ESCAPA DA NOSSA COMPREENSÃO. O LUTO, A DOR E A PERDA, POR EXEMPLO
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