Maria Gabrielly Dantas é uma empreendedora da Ilha de Itamaracá, em Pernambuco. Estilista, produtora de moda sustentável, co-criadora do brechó Cabrochas e da Casa de Sal — uma edificação feita totalmente de elementos descartáveis —, Maria teve os primeiros ensinamentos sobre transformar a existência das coisas com sua avó, muito antes de ter contato com a linguagem da moda. Foi com a avó que aprendeu a dar nova utilidade ao que iria para o lixo.
“Hoje eu construo moda sustentável preta numa perspectiva do que a minha avó já fazia. Ela pegava a blusa de lã do bazar da igreja, desmanchava a blusa furada e costurava uma nova e, hoje, com o acesso da moda isso se chama mundialmente upcycling”, explica Maria.
Aplicar o upcycling na moda é praticar uma reutilização criativa. “Reuso é a sabedoria popular de quem vive em um Brasil escasso. Se hoje eu posso fazer o que eu faço com propriedade é porque eu olho para a história da minha família e principalmente para as mulheres da minha família e vejo quão potência elas são e quão fortes, inteligentes. É muito importante a gente referenciar essa palavra com inteligência, com tecnologia social e com inovação”, pontua a empreendedora.
Hoje, muitos bazares usam da palavra vintage para denominar as roupas antigas, mas Maria acrescenta uma camada à questão ao ressaltar a importância de racializar a questão: “Isso é muito presente nas famílias negras. Roupa usada. Não é novo para a gente usar peça de alguém. Tenho memórias afetivas lindas, inclusive memórias reais de criança dentro do bazar, sempre foi algo presente na nossa vida, a mãe sempre comprou roupa para reformar.”
O brechó Cabrochas chegou para a Maria como uma avalanche de ideias e, com a iniciativa, ela começou a estudar moda. “Foi o que me deu enredo para estar naquele espaço acadêmico”, diz. Anexando seu pensar ao que ia aprendendo no curso, percebeu que o público que estava em seu brechó era igual a ela.
E então ela começou a promover as vendas em feiras, nos movimentos sociais e até em frente a presídios. “A gente estruturou o nosso brechó diretamente em contato com pessoas”, afirma. “Quando entendo essa curadoria vejo que quero fazer algo mais: um brechó de moda preta, jovem, urbana e periférica, de volta à minha ancestralidade.”
Com seu trabalho, a jovem também pretende visibilizar a região em que mora. “Vejo que é uma disputa de narrativas também uma porque eu moro na região, a 60 quilômetros do Recife, num lugar interiorizado, na Ilha de Itamaracá, então quando eu falo duma ascensão da Cabrocha e do meu trabalho da Casa de Sal eu estou falando de uma possibilidade onde o sistema diz que não é.”
Por outro lado, Maria também carrega um descontentamento sobre as parcerias que são dificultadas por ela não estar no eixo Rio-São Paulo. “A região Nordeste no Brasil, que todo mundo usa como modelo de inspiração, mas não investe. E ainda cobram que a gente esteja em São Paulo e no Rio de Janeiro para que o jogo vire de fato e isso é uma parte da angústia”, diz.
Apesar dos desafios, Maria afirma que é feliz com o que faz e vê nisso uma missão de vida. “Meu maior trabalho é esse: trabalhar com algo do outro, o descarte do lixo. O lixo social, que muitas vezes é tratado por pessoas pretas. Nesse sentido, entendo por que o trabalho é todo dia. Tento fazer o diálogo de uma narrativa de valorização do reuso, da reciclagem em prol do impacto positivo.”