Se você acredita que índio que é índio não mora na cidade, não usa celular e anda nu por aí, não deixe que o desconhecimento limite seus pensamentos.
ANÁLISE
MARIA FERNANDA RIBEIRO é jornalista e autora do blog Eu na Floresta, onde compartilha histórias dos povos da Amazônia
Povos indígenas do Brasil fizeram no dia 31 de janeiro a primeira grande manifestação popular contra as políticas anti-indigenistas do governo Bolsonaro. A estimativa é de que ocorreram protestos em quase 60 pontos do País e do exterior, mas se você não faz parte de uma rede, digamos, indígena, talvez não tenha lido notícias sobre isso.
Na linha do tempo das minhas redes sociais não havia outro assunto e as fotos publicadas pelos próprios indígenas (sim, leitora e leitor, índio usa celular e tem perfil no Facebook e publica stories no Instagram) mostravam que a disposição para que seus direitos sejam garantidos é a ferramenta que usam para lutar.
Liderada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a campanha Sangue Indígena – Nenhuma Gota a Mais tem entre suas principais reivindicações o retorno da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Ministério da Justiça. Palavras de ordem, como “demarcação já”, deram o tom dos protestos. “Deixar a demarcação de terras com o Ministério da Agricultura é o mesmo que colocar a raposa para tomar conta do galinheiro”, diziam os manifestantes.
Acompanhei a manifestação em São Paulo, na Avenida Paulista. Diferentes etnias unidas em um só coro, cada qual com sua dança, seu canto, sua pintura, seu instrumento musical. Mulheres, homens, adolescentes, idosos, crianças e bebês. Outro verbo entoado com convicção: resistir, seja pelos povos que vivem em contexto urbano, seja por aqueles que estão na floresta.
A resistência é de séculos. O que muda é a cara do inimigo e sua capacidade de fogo. “Não ao genocídio indígena”, diziam cartazes em punho.
Pensei, enquanto caminhava pela manifestação, que estar na luta dos povos indígenas não é apenas um gesto identitário, e sim um dever de todo e qualquer cidadão que também deseja ter o seu direito respeitado. Se você integra o time que acredita piamente que índio que é índio não mora na cidade, não usa celular e anda nu por aí, não deixe que o desconhecimento, a ignorância e o preconceito limitem seus pensamentos.
Informe-se, leia, pergunte a um índio o que eles desejam. O maior bem que há é a diversidade, a cultura, a arte de cada povo. E essa diversidade é o Brasil, de cabo a rabo. Só não enxerga quem se esconde na coxia e não sai para o espetáculo, seja por medo, seja por preguiça ou por desinteresse. Os índios sabem disso e todos nós só temos a ganhar com essa luta, que não é deles, mas de todos nós.
P.S: Se você não tem amigas ou amigos indígenas e também não acompanha nenhum perfil nas redes sociais, recomendo que faça isso. Saia um pouco da bolha e veja as maravilhas que a internet é capaz de fazer por você. Vai entrar em um mundo colorido com muita arte, protesto, amor, ancestralidade, sabedoria, histórias, mitos, contos e aprenderá muito sobre o significado que tem na prática o verbo resistir.
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Toda quarta-feira, no Canal Futura
Acaba de estrear no Canal Futura a série documental Guerreiros da Floresta. São 13 episódios de 26 minutos cada um, todas as quartas, às 22h30. O programa retrata a luta de três lideranças indígenas do Brasil em defesa da sustentabilidade da Amazônia e da herança de seus povos: Davi Kopenawa, de Roraima; Almir Suruí, de Rondônia; Ninawa Huni Kuin, do Acre.
Os indígenas relatam invasões, devastações e sobrevivência. As três lideranças perfiladas são perseguidas no Brasil por fazendeiros e mineradores e reconhecidas internacionalmente pela ONU. A série mergulha nas culturas de cada uma das etnias. (Maria Fernanda Ribeiro)