O Supremo Tribunal Federal (STF) é o órgão máximo do poder judiciário brasileiro, o que, na prática, representa a última instância para a qual se pode recorrer no Brasil. Em outras palavras, quando um processo judicial é iniciado, é possível recorrer da decisão do primeiro juiz para um Tribunal de Justiça, depois para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, por último, para o Superior Tribunal Federal, desde que cumpridos alguns critérios definidos por leis.
Além disso, o STF é guardião da Constituição Federal (lei mais importante em um país) e, como tal, é responsável por julgar causas relacionadas à forma como a Constituição é interpretada. Essa necessidade surge porque, muitas vezes, o texto da lei é compreendido de maneira diferente a depender do juiz ou juíza que o analisa. Outra importante função do STF é o julgamento criminal de pessoas com foro privilegiado, como o Presidente da República e o vice, membros do Congresso Nacional (deputados e senadores), os próprios ministros do órgão, dentre outras autoridades.
A nomeação dos membros do STF depende de indicação do Presidente, que deverá escolher alguém com mais de 35 e menos de 70 anos, notável saber jurídico e boa reputação. Após a indicação, o candidato precisa ser aprovado pelo Senado Federal, em um procedimento de perguntas e respostas que se assemelha a uma entrevista, conhecido como “sabatina”.
É importante ter em mente que as decisões tomadas pelo STF impactam a vida de todos os cidadãos e cidadãs do país, sobretudo no que diz respeito aos mais pobres, nas periferias e favelas do país. Apesar disso, a composição do órgão não reflete a imagem da população brasileira, que é formada majoritariamente por pessoas negras (pretos e pardos) e por mulheres. Entre os 11 membros do STF em agosto de 2023, todos são brancos, 9 homens e 2 mulheres. Em resumo, o STF é composto majoritariamente por homens brancos.
Em 2023, o presidente Lula será responsável pela indicação de dois nomes para integrar a Suprema Corte e iniciou a tarefa colocando Cristiano Zanin, seu advogado no processo da lava jato, para a primeira vaga, deixada por Ricardo Lewandowski. Para a segunda vaga, que surgirá em razão da aposentadoria da ministra Rosa Weber, nada foi definido ainda, mas há apelo de juristas, pesquisadores e outros membros da sociedade civil para a indicação de uma mulher negra.
A pressão popular para que Lula leve em consideração a necessidade de maior representatividade na escolha do novo ou nova ministra tem fundamento nas desigualdades de gênero, raça e classe que estruturam a formação do Brasil e na reconhecida necessidade de maior diversidade nos espaços de tomada de decisão.
Mulheres negras representam 28% da população, de acordo com dados do IBGE de 2022. Ao mesmo tempo, são elas que recebem os menores salários e que menos integram cargos políticos e de liderança. A taxa de desemprego ou de trabalho informal entre a população negra de um modo geral e, especificamente entre mulheres negras, também é muito superior quando comparada às pessoas brancas.
A presença de uma mulher negra é relevante para imprimir uma nova feição à Corte Suprema e garantir maior pluralidade no pensamento jurídico. O STF tem sido historicamente responsável por decidir questões fundamentais para os rumos da sociedade, como por exemplo, o reconhecimento da união estável para casais do mesmo sexo (2011 – ADI 4277 e ADPF 132); enquadramento da homofobia e transfobia como crimes de racismo (2019 – ADO 26 e MI 4733); legitimidade das cotas raciais para ingresso de pessoas negras em universidades públicas (2012 – ADPF 186); julgamento de ações penais famosas, tais como o mensalão e a lava jato, entre muitos outros temas.
Em 2023, estão em pauta dois julgamentos muito caros à população negra: a descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal e a coibição do perfilamento racial (tese que aponta para a prática racista em que indivíduos são mais abordados ou investigados pela polícia por serem negros). Com relação à posse de maconha para uso pessoal, muito já se tem discutido sobre como a guerra às drogas tem sido violenta com a população negra, gerando encarceramento massa e mortes.
De um modo geral, os temas que são pauta de julgamento do STF, precisam ser analisados com diferentes lentes, já que abrangem implicações sociais, econômicas, históricas, jurídicas e políticas. É difícil abraçar essa amplitude de fatores quando todas as pessoas partem da mesma origem e formação – pessoas brancas de classe alta com pensamento conservador.
Com a proximidade da aposentadoria da Ministra Rosa Weber, já se manifestaram favoráveis à indicação de uma mulher negra o atual Ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida e Ministra da Equidade Racial, Anielle Franco. O IDPN – Instituto de Defesa da População Negra, lançou uma temporada no podcast “IDPN Cast” intitulada #pretaministra, que analisa a história do STF e o currículo de juristas negras apontadas como possíveis indicadas.
O movimento “mulheres negras decidem” elaborou uma lista tríplice composta por Adriana Cruz, Lívia Sant’anna e Sorais Mendes, juristas negras com vasta experiência técnica e que atendem aos requisitos para ocupar a vaga. Também foi lançado o site Mulher Negra no STF, que permite o contato direito com a presidência para pressionar a indicação da ministra negra. Será o governo Lula responsável pela indicação da primeira mulher negra como ministra do STF?
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Lidia Carolina Nascimento dos Santos é mestre em direito político e econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduada em direito pela Faculdade de Direito Damásio.
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