O texto deixa de vetar agrotóxicos que tragam risco de câncer e atribui ao Ministério da Agricultura o poder de aprovar substâncias.
Sobre isso, a Organização das Nações Unidas (ONU) enviou uma carta ao Congresso em que afirma que “as modificações ao atual marco legal enfraquecem significativamente os critérios para aprovação do uso de agrotóxicos, colocando ameaças a uma série de direitos humanos”.
Aprovado no fim de junho pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, o projeto de lei que simplifica o registro de agrotóxicos no Brasil deve ser votado depois das eleições. Entenda o que está em jogo e o que isso tem a ver com a sua vida.
O QUE MUDA COM O PL 6299/02
- O PL de autoria do ministro da agricultura Blairo Maggi troca a palavra “agrotóxico” por “pesticida” ou “produto fitossanitário”.
- Concentra poderes no Ministério da Agricultura para a aprovação de novos produtos.
- Prevê a adoção de uma tabela de grau de risco para novas substâncias no Brasil, permitindo que produtos vetados pela lei atual – por conterem substâncias cancerígenas, teratogênicas (que causam malformações) e mutagênicas (que provocam mutações genéticas) – passem a ser analisados conforme um grau de tolerância.
- Hoje, um marco legal proíbe o registro de agrotóxicos, componentes e afins que tenham características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas. O PL altera esse marco legal e prevê que seja feita “análise de riscos” dos agrotóxicos, em vez da “identificação do perigo”. Só ficam proibidos os que tenham “risco inaceitável”.
- Não fica claro, porém, o que é um risco inaceitável, o que fez os deputados da oposição questionarem: “O que é aceitável? Um tumorzinho, uma malformaçãozinha”, disse a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), contrária à proposta.
- Cabe à Anvisa, ao Ibama e ao Ministério da Agricultura analisar os novos produtos, mas os pesticidas podem ser liberados pela pasta mesmo se os demais órgãos reguladores não tiverem concluído as análises – recebendo registro temporário.
CONTRA
- Com exceção do Ministério da Agricultura, diversos órgãos do próprio governo foram publicamente contra a proposta, como os ministérios da Saúde e do Meio Ambiente, a Anvisa e o Ibama, além da Fiocruz e do Inca.
- O PL também foi rejeitado pela Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC).
- A decisão ignora o apelo de diversas organizações da sociedade civil, como Greenpeace, ONU, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Instituto Nacional do Câncer (Inca).
- “Os membros da Comissão viraram as costas para a população. Fica muito claro que esses parlamentares atendem apenas aos interesses da indústria de pesticidas e do agronegócio. Vamos continuar monitorando e pressionando para que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, coloque os interesses da população acima dos interesses econômicos do setor”, diz Marina Lacôrte, especialista em agricultura e alimentação do Greenpeace.
- “Parece que a vontade da maioria da população ficou de lado na hora de definir o futuro da nossa alimentação”, escreve a jornalista Juliana Carreiro, no site do Estadão. “De acordo com uma pesquisa feita pelo Ibope, 81% dos brasileiros considera que a quantidade de agrotóxicos aplicada nas lavouras é ‘alta’ ou ‘muito alta’.”
- “Estão colocando a saúde da população atrás do interesse financeiro do setor. Esse projeto é péssimo para a saúde do povo brasileiro”, disse o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), da bancada ambientalista.
A FAVOR
- A defesa do PL é feita pela Frente Parlamentar da Agricultura (FPA) e parcialmente pela Embrapa.
- Os parlamentares ligados ao agronegócio afirmam que o PL agiliza um processo hoje moroso – que seria de 8 a 10 anos – e abre espaço para novos pesticidas mais modernos.
- “O que de fato está se propondo com o PL é uma atualização da legislação de registro de produtos, uma modernização para melhorar o processo do registro de produtos, e as condições em que um determinado produto pode ser usado. O pessoal fala que vai aumentar o uso, mas não é o que está se discutindo”, diz Marcelo Morandi, pesquisador da Embrapa.
VERDADE OU MENTIRA?
- Deputados ruralistas disseram que há 1,8 mil produtos hoje em análise. Consultado pelo Estado, o Ibama, órgão ambiental responsável hoje junto com Anvisa e Ministério da Agricultura pelos registros, disse que há somente 15 produtos técnicos novos e 28 produtos formulados à base desses produtos técnicos aguardando avaliação.
OS AGROTÓXICOS NO BRASIL
- Há 10 anos o Brasil se tornou o maior consumidor de agrotóxicos do mundo.
- A maioria dos produtos utilizados por aqui já são proibidos em países europeus e norte-americanos.
- De acordo com a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, 70% dos alimentos in natura consumidos no País estão contaminados por algum tipo de agrotóxico.
OS PERIGOS REAIS
- Segundo a ONU, os agrotóxicos são responsáveis por 200 mil mortes por intoxicação aguda a cada ano e mais de 90% das mortes ocorrem em países em desenvolvimento. Essas mortes são de pessoas que interagem diretamente com os produtos tóxicos.
- Consumidores também correm riscos: após um período prolongado de contato com as substâncias podemos desenvolver vários tipos de câncer (pulmão, tireoide, testículo, mama e próstata, por exemplo), além de apresentar doenças mentais, alterações no fígado, nos rins e na tireoide, arritmias cardíacas, Parkinson, fibrose pulmonar, alergias respiratórias, infertilidade e má formação fetal.
EXISTE LIMITE SEGURO PARA A EXPOSIÇÃO?
- “Não há limite seguro de exposição. A avaliação de risco aponta uma probabilidade de acontecer um evento. Vai colocar limites, limiares, números. Mas se sabemos pela ciência que um agrotóxico é capaz de causar uma mutação, e isso é o início de um câncer, não é ético deixar as pessoas expostas a esse produto”, diz a toxicologista Márcia Sarpa, do Inca. Estudos científicos já apontaram a exposição aos agrotóxicos como fator de risco para desenvolver câncer de mama, de próstata e no cérebro. “Estão pensando na questão agronômica, na produtividade, até porque nossos País vive disso. Nosso olhar é para a saúde e para a prevenção. Podemos prevenir o câncer reduzindo a exposição aos agrotóxicos.”
ESTUDO INÉDITO
O Inca concluiu recentemente um estudo inédito no País, que investiga a relação entre o uso de agrotóxicos e o surgimento de um tipo de câncer no sangue, cuja prevalência tem crescido nos últimos anos em todo o mundo. A pesquisa analisou substâncias relacionadas a esse tipo de câncer (2,4-D, diazinona, glifosato e malationa). O glifosato e o 2,4-D são os dois agrotóxicos mais utilizados no Brasil.
O glifosato é classificado como “pouco tóxico”, porque só é considerado o risco do contato imediato com o produto. Márcia Sarpa de Campos de Mello, uma das autoras da pesquisa, afirma que essa toxicidade aguda é a pontinha do iceberg. “O problema maior está na toxicidade crônica, aquela relacionada à exposição frequente a pequenas doses do produto. Entre os efeitos conhecidos estão problemas de fertilidade e no desenvolvimento do feto, má formação congênita, desregulação endócrina, mutações e variados tipos de câncer.”
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