Filme ‘A Mão de Deus’ leva o cinema à cidade; perfil cultural de Nápoles está em destaque desde os romances de Elena Ferrante
Com reportagem de Elisabetta Povoledo, The New York Times - Life/Style e tradução de Lívia Bueloni Gonçalves para o Estadão
O mais recente filme do diretor Paolo Sorrentino, A Mão de Deus, começa com uma visão panorâmica de Nápoles, sua cidade natal, ao amanhecer, com um carro antigo solitário viajando por uma estrada à beira-mar enquanto o resto da cidade estranhamente dorme.
Como pano de fundo para essa história autobiográfica de amadurecimento, Nápoles é às vezes fantástica e às vezes decadente, ensolarada e imprevisível, confortavelmente familiar e, finalmente, confinante.
Fora da câmera, é ainda mais.
Nos 20 anos desde a última vez que Sorrentino fez um filme aqui – sua estreia na direção, Um Homem a Mais — a cidade também amadureceu como um centro cinematográfico. Hoje em dia, não é raro encontrar equipes de cinema e televisão tanto no centro quanto em seu áspero interior. Essas produções alimentaram a formação de uma indústria local, incluindo atores, técnicos especializados e cineastas.
“Houve um crescimento enorme”, disse Maurizio Gemma, diretor da Film Commission local da região da Campânia, que tem se concentrado em atrair e facilitar o trabalho de produções cinematográficas e televisivas desde 2005. Naquela época, disse Gemma, havia 10 ou 12 projetos de filmagem na área. Hoje, “estamos filmando quase 150 projetos por ano”, ele disse, incluindo programas de televisão de grande orçamento como A Amiga Genial, da HBO, baseado nos romances best-sellers de Elena Ferrante
Nápoles é uma cidade de contradições, de palácios barrocos ornamentados ao lado de casas abandonadas, de tráfego implacável e indisciplinado, e com uma taxa de desemprego oficial de 21,5%, o dobro da média nacional. Mas é também uma cidade de cultura, tanto intelectual quanto popular, e berço de canções como O sole mio e Santa Lucia.
Sua grandeza decadente, becos estreitos e vistas deslumbrantes da Baía de Nápoles com o Vesúvio como pano de fundo fazem da cidade um cenário natural de cinema
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Clichês — Nos últimos anos, as produções foram atraídas para os subúrbios e sua região menos salubre. O sombrio filme de 2009 Gomorra, de Matteo Garrone, e a popular série de TV de mesmo nome trouxeram essas áreas abandonadas para um público internacional mais amplo. O diretor Antonio Capuano, que aparece com destaque em A Mão de Deus, disse que Gomorra se tornou “o cartão postal de Nápoles, e isso é horrível.”
Pasquale Iaccio, autor de vários livros sobre cinema napolitano, disse que Gomorra era apenas um “aspecto de Nápoles entre muitos outros” clichês sobre a cidade. Ele deu como exemplo uma anedota da filmagem napolitana do filme Comer, Rezar, Amar, onde os produtores pagavam aos moradores de um beco no centro de Nápoles para pendurar roupas e lençóis em suas janelas, porque um beco sem eles “simplesmente não seria Nápoles para o roteiro americano”, ele disse.
No ano passado, as regiões italianas destinaram cerca de 50 milhões de euros (US$ 57 milhões) para atrair produções de televisão e filmes, complementados por outros fundos governamentais e créditos fiscais, de acordo com Tina Bianchi, secretária-geral da Italian Film Commissions, o grupo regional que abarca as comissões cinematográficas.
No final de A Mão de Deus, o personagem baseado em um jovem Sorrentino deixa Nápoles e vai para Roma. Na verdade, Sorrentino só deixou Nápoles definitivamente aos 37 anos, morando na casa de sua família até então, ele disse em uma entrevista recente a um jornal italiano.
No filme, Capuano (Ciro Capano) repreende o jovem por querer deixar sua cidade natal.
“Ninguém sai desta cidade”, diz o diretor. “Você sabe quantas histórias existem nesta cidade. Olhe!”, ele diz, olhando para uma ampla vista da Baía de Nápoles, enquanto anoitece. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
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