Se a promessa de ano-novo é largar as redes sociais, porque ocupam espaço demais na vida ou são tóxicas ou atrapalham, o cientista e escritor Jaron Lanier pode ajudar – e com a autoridade de quem na década de 1980 cunhou o termo ‘realidade virtual’ e contribuiu para que pessoas se conectassem. Em Dez Argumentos Para Você Deletar Agora As Suas Redes Sociais (Editora Intrínseca, R$ 34,90, trad. Bruno Casotti), Lanier afirma que as propagandas são usadas para manipular as pessoas, o que resulta na perda de empatia e no aumento da intolerância e da falta de informação – além de prejudicar a felicidade e a capacidade econômica da sociedade. A reportagem é de Bruno Romani.
ENTREVISTA: Jaron Lanier, cientista, escritor e criador do termo realidade virtual
A sociedade está doente por causa das redes sociais?
Sim. As sociedades sempre foram violentas e escolheram políticos ruins e entraram em guerra civil. As mídias sociais não estão inventando esses problemas, mas estão deixando a sociedade mais vulnerável. Na rua, existe todo o tipo de vírus, bactéria e agentes de doenças. Se tem uma coisinha errada com você, como não ter dormido direito ou estar muito estressado, você pode ficar doente. É o que acontece com as redes sociais. Quando há uma tendência de redução de violência e de tensões civis, ela é revertida assim que propriedades do Facebook surgem, como o WhatsApp.
É possível melhorar a rede social?
Sim. Tem que mudar o modelo de negócio. Eles precisam determinar um prazo, tipo “em três anos não aceitaremos dinheiro de anunciantes. Vamos mudar para um modelo de assinatura ou de pagamento (…)”. Assim o usuário não seria o produto. Se não mudar, não há esperança.
As redes sociais podem ou gostariam de resolver seus problemas?
Conheço muita gente nessa indústria, e a maioria gostaria de melhorá-la. Eles se meteram nesses problemas sem perceber. É preciso sair das propagandas. Elas são tão poderosas nesse contexto que nunca serão éticas.
As redes deveriam ser pagas e livres de propaganda?
Acredito que as pessoas deveriam pagar pelo serviço e receber por suas contribuições quando alguma delas se populariza. Isso poderia fazer a economia crescer e beneficiar muita gente. As redes sociais deveriam ser livres de propagandas e pagas por aqueles que podem pagar. Veja a Netflix. As pessoas podem encontrar versões piratas e gratuitas dos filmes a qualquer hora. Só que a experiência é melhor quando é paga. Até agora, a Netflix não tem sido tão ruim quanto o YouTube, que espalha propagandas. Funciona e serve como exemplo.
Como você incluiria quem não pode pagar?
Teria um checkbox “eu não posso pagar por isso”. E seria um pouco mais difícil de usar que a versão paga. As pessoas pagam por coisas que acreditam ter qualidade.
Sair ou ficar numa rede também envolve questões de desigualdade social?
Isso é verdade em diferentes níveis. O Facebook adora fazer barulho sobre como é maravilhoso para os pobres, mas isso é falso de duas maneiras: é gratuito, mas arruína a política, deixando as coisas tensas e esquisitas. Isso mais atrapalha do que ajuda os países em desenvolvimento. Em segundo lugar, remove opções e aprisiona as pessoas. Quando a tecnologia de smartphones e acesso à internet começou a se popularizar ao redor do mundo, algumas companhias, principalmente o Facebook, tentaram se enfiar no meio disso de maneira que as pessoas confundiriam a internet com o Facebook. Se uma pessoa não pertence a um círculo social afluente, com recursos, e ela tem um telefone e o Facebook está lá fazendo a conexão com a internet, não é razoável esperar que ela tenha os recursos sociais e financeiros para conhecer outras opções. Algumas pessoas no mundo não conseguem se conectar sem o app do Facebook, ou do WhatsApp, do Messenger, do Instagram. Parece óbvio, mas é importante repetir. É muito triste.
O WhatsApp não opera com algoritmos. Você o considera uma rede social?
O WhatsApp tem mudado gradualmente e se assemelhando mais com uma propriedade do Facebook. Os fundadores saíram de lá em protesto. Ele mudou para ter uma estrutura mais voltada à personalização de comunicação e preparada para planos de negócios que usam os dados das pessoas. Assim, abriu as portas para agentes nocivos e sofisticados.
O WhatsApp altera o comportamento das pessoas?
Essa é uma das tragédias do Facebook: os clientes que mantém contratos não são nem os piores. Há agentes que conseguem tirar proveito mesmo não sendo clientes oficiais. Uma das principais maneiras é criar contas falsas que espalham notícias falsas que são replicadas e que mudam a atmosfera social. Se você tem pessoas falsas online, no WhatsApp, você cria ansiedade, paranoia e crença em coisas falsas.
As pessoas deveriam deletar o WhatsApp?
Se você tem a possibilidade, sem prejudicar a sua vida, eu sugeriria que você deletasse. Acredito que você vai perceber que a sua vida vai melhorar. Se puder ficar fora por seis meses, você aprenderá um pouco mais sobre você e o mundo e descobrirá que pode ser mais feliz e bem informado. Então, poderá decidir se volta ou não. Compreendo que para muitas pessoas essa não é uma opção e não quero que se sintam culpadas.
As redes sociais ajudam a eleger líderes autoritários?
Vemos em todo o mundo o crescimento de um certo tipo de líder que você poderia qualificar como autoritário. Em todos esses casos, você vê um fenômeno parecido de mídias sociais antes das eleições, que é uma incrível onda de paranoia. Vimos com Bolsonaro, vimos com Trump e em todos os outros exemplos. E isso está acontecendo em muitos países que não têm muito em comum, exceto o Facebook. Mas esses líderes são um pouco diferentes de líderes do passado. A personalidade autoritária costumava ser invulnerável, não carente. O autoritário era feito de aço. Era a pessoa que não dava bola, que não demonstrava fraquezas. Mas essa nova personalidade que vem das redes sociais projeta um tipo de carência, uma necessidade de ser adorado. Acho que a razão para esse tipo funcionar é que muitos seguidores se sentem de forma parecida por causa de seus próprios vícios em redes sociais. Eles se identificam.
As redes sociais são um canal para um novo tipo de personalidade de líder?
Sim. E é um tipo que demonstra carência. Parece que há uma necessidade de ser amado. Eles compulsivamente dizem coisas estúpidas, como se fossem criancinhas que querem aborrecer os pais. Eles dizem coisas idiotas que sabem que vão gerar críticas de pessoas inteligentes. Você verá esse padrão em diversos países do mundo. Infelizmente, porém, as políticas deles se assemelham às de líderes autoritários tradicionais.
Existe alguma rede social que você recomenda?
Não tenho nenhuma conta porque não acho que há redes sociais boas o suficiente. Uma maneira de medir se uma rede social é boa ou não é se ela está sendo usada pelos agentes de Vladimir Putin para manipular eleições ou sociedades. Se você utilizar esse teste, você diria que todas as propriedades do Facebook são terríveis, que o Twitter é terrível, que o Reddit é terrível, que o YouTube é terrível (risos). Porém, há uma série de outras em que os agentes parecem não ter encontrado uso. Isso significa que ou os agentes não ligam ou essas redes não se tornaram terríveis. O Snapchat talvez não seja terrível. O LinkedIn não parece ser tão ruim, embora tenha sido criticado de outras maneiras. Mas não existe nenhuma da qual eu gostaria de fazer parte.