A nuvem de fumaça proveniente de queimadas que encobriu o Amazonas já dura dois meses e tem forçado a população a retomar o uso de máscaras, proteção comum durante a pandemia de covid-19.
Segundo o Sistema Eletrônico de Vigilância Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), a região tem batido sucessivos recordes de péssima qualidade no ar. Os governos local e federal têm sido pressionados a tomar providências mais efetivas para conter o avanço do fogo na região da floresta.
A estudante Raely Cardoso, de 25 anos, estuda em Manaus e mora em Manacapuru, na região metropolitana. Asmática, conta que já sofria com a fumaça antes mesmo de a nuvem tóxica se “instalar” na capital, quando percorria a rodovia estadual AM-070, que liga os dois municípios.
“Pego a estrada todo dia e antes mesmo de essa fumaça chegar em Manaus, ela já estava presente na rodovia. Por ser asmática, tive algumas crises no ônibus a ponto de a bombinha fazer pouco efeito, porque era muita fumaça e bem densa. Prejudicava até a viagem, pois o motorista quase não conseguia enxergar”, relata.
A jovem conta ainda que passou a utilizar máscara para tentar amenizar os sintomas. Em uma ocasião, chegou a colocar duas, uma por cima da outra. “O uso de máscara tem ajudado em alguns momentos e em outros parece não adiantar, sabe? A sensação é de constante sufocamento – com ou sem máscara”, afirma.
O psicólogo esportivo Matheus Vasconcelos tem vivido situação similar. Ele trabalha com atletas ao ar livre. “No sábado de manhã, tive de trabalhar de máscara porque estava pior do que na madrugada. Trabalho na área esportiva e esse é um dos setores mais prejudicados pela fumaça, pois ficamos mais expostos”, conta.
Vasconcelos conta ter uma inflamação pequena na adenoide, estrutura fisiológica atrás das cavidades nasais. “Com essa fumaça, causa irritação demais. Nos dias em que ela está densa, não adianta fazer nada. Passamos o dia no ar, vedamos tudo, usamos balde de água, umidificador, pano molhado nas brechas e, ainda assim, a fumaça continua invadindo”, relata.
Atendimentos
A médica pneumologista Joyce Matsuda, que trabalha na rede pública estadual, diz que tem percebido aumento de atendimentos ligados a doenças respiratórias. “Temos tido muitas queixas. Um exemplo é paciente de asma que estava com a condição controlada, mas nesse tempo de fumaça passou a apresentar crises”, conta.
Também médico pneumologista, Daniel Luniere diz que a exposição prolongada a fumaças derivadas da queima de material vegetal agrava sintomas. Na forma aguda, leva a tosse, desconforto torácico, falta de ar, irritação na garganta e rouquidão.
“Outros sintomas são relacionados a via aérea superior, como o aumento dos espirros, nariz ressecado e sangramento nasal em alguns casos. Os olhos também não são poupados, podendo apresentar lacrimejamento ocular, vermelhidão e coceira”, explica.
Questionada, a Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas disse apenas não ter registrado aumento “nos últimos dias”. Acrescentou ainda que as Unidades de Pronto Atendimento e Serviços de Pronto Atendimento estão preparados.
“A SES-AM reforça a orientação de que, neste período de estiagem a população tome cuidados como uso de máscara, para se proteger da inalação da fumaça, mantenham-se hidratados, além de adotar o uso de umidificadores de ar ou recipientes com água para melhorar a umidade do ar”, orientou.
Recorde
Em outubro, o Amazonas registrou 3.858 focos de incêndio, o pior número desde o começo da série histórica, iniciada em 1998. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia. As áreas mais afetadas são nos municípios de Careiro e Autazes, região metropolitana de Manaus, e no Sul do Estado, no chamado “Arco do Fogo”, na divisa com Acre, Rondônia e Pará.
Nesta semana, o governo do Amazonas atribuiu a fumaça que encobre Manaus a queimadas no Pará. “Podemos verificar por imagens dos satélites que todos os municípios, que sofrem influência do Rio Amazonas, que serve como corredor de fluxo de ventos, até chegar a Manaus, têm sido impactados pela fumaça”, disse o secretário amazonense de Meio Ambiente, Eduardo Taveira.
O governo afirma que tem trabalhado desde março nos municípios do Sul do Estado e na região metropolitana no combate aos focos de incêndio. Além do governo estadual, Ibama e ICMBio atuam no Amazonas com 270 brigadistas divididos em bases avançadas distribuídas nos municípios de Autazes, Careiro da Várzea, Careiro, Iranduba e Manaquiri.
Na sexta-feira, 3, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, transferiu para o Congresso Nacional parte da responsabilidade pela crise ambiental na região. Durante evento em Manaus, ela pediu pressa para a aprovar o Projeto de Lei 1.818/2022, que institui a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo.
“Faço um apelo a todos os parlamentares que aprovem, no Congresso, o projeto da lei de manejo do fogo. Ajudaria muito a estruturar melhor os Estados e os municípios para evitar que se chegue a uma situação como essa”, defendeu Marina.
O projeto de Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo prevê medidas para disciplinar o uso do fogo no meio rural, sobretudo entre comunidades tradicionais e indígenas, e prevê sua substituição gradual por outras técnicas. O texto também cria instâncias intergovernamentais para gerenciar respostas a incêndios em vegetações.