Apenas um em cada três assassinatos cometidos em 2019 no Brasil foi esclarecido até o fim de 2020. De 41.635 vítimas, só 15.305 tiveram o autor apontado pelos órgãos de polícia e Justiça. O levantamento é do Instituto Sou da Paz
O estudo, com base em dados dos Ministérios Públicos e Tribunais de Justiça de 19 Estados, revela que o índice de 37% de homicídios esclarecidos piorou ante o levantamento anterior, com dados de 2018, quando 44% tinham sido denunciados até o fim do ano seguinte. A média mundial de elucidação de assassinatos é de 63%, segundo o estudo.
Com reportagem de José Maria Tomazela, O Estado de S. Paulo
Números — Para fazer o levantamento, o Instituto Sou da Paz pediu dados às 27 unidades da Federação por meio da Lei de Acesso à Informação. Oito Estados responderam, mas não produziram dados necessários para o cálculo do indicador: Alagoas, Amazonas, Goiás, Maranhão, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Sergipe e Tocantins. Entre os que enviaram informações com qualidade para compor o índice, Rondônia foi o que mais esclareceu homicídios de 2019, com porcentual de 90%, seguido por Mato Grosso do Sul (86%) e Santa Catarina (78%).
Os piores resultados foram Rio (16%) e Amapá (19%), seguidos de Bahia, Pará e Piauí, cada um tendo esclarecido 24% dos homicídios. O Rio, porém, avançou dois pontos percentuais e informou que “tem trabalhado para reduzir a taxa de mortes violentas, que está em queda, e tem alcançado redução constante e histórica nos índices de violência registrados pelo Instituto de Segurança Pública”. São Paulo reduziu de 46% para 34% o índice de esclarecimentos. o Paraná melhorou de 12% para 49%.
Para Carolina Ricardo, diretora executiva do Sou da Paz, o poder público ainda tem muito a avançar para aumentar a resposta a esses crimes, garantido às famílias e à sociedade o direito à verdade e à justiça. “Sabemos que nosso sistema de segurança pública e de Justiça criminal ainda foca muitos esforços nos crimes patrimoniais e em outros sem violência. É preciso dirigir os esforços e os investimentos, sobretudo, para a investigação e esclarecimento dos crimes contra a vida, em que de fato, mora a impunidade”, diz.
O Brasil está abaixo da média de resolução de assassinatos nas Américas — soluciona 37% contra 43% — e distante dos índices da Ásia (72%) e da Europa (92%). O fato de São Paulo ter reduzido de 46% para 34% o índice de esclarecimento pode ter pesado na taxa, pontua Carolina.
O Brasil tem 670 mil presos, dos quais 40% por crimes contra o patrimônio, 29% relacionados a drogas e 10% por homicídios
Outros pontos de atenção — Beatriz Graeff, pesquisadora do Sou da Paz e coordenadora do relatório, destaca que a nova edição teve uma conquista importante: nenhuma unidade da Federação deixou de enviar resposta ao instituto. No entanto, só três Estados informaram dados sobre a raça/cor das vítimas. “O desenho de políticas não pode deixar de levar em consideração que há uma parcela da população afetada pela violência letal de forma desproporcional em razão do racismo, da discriminação e da desigualdade de renda”, afirma. Também se observa que morrem mais homens do que mulheres. Contudo, há uma proporção maior de esclarecimentos quando se é mulher. Uma das explicações, segundo Carolina, está no alto número de feminicídios em que o autor é do círculo familiar.
Indicadores — Em diálogo com as Polícias Civis, o Sou da Paz identificou outras formas de relatar os dados. A taxa de esclarecimento de homicídios calculada pela Polícia Civil de São Paulo, por exemplo, tem diferenças metodológicas em relação à do instituto. O dado oficial considera esclarecidos os crimes em que os autores são identificados, mesmo que não sejam denunciados ao Tribunal do Júri, caso dos autores adolescentes e dos já mortos. Assim, em 2019 foi considerado que 51% dos homicídios dolosos foram solucionados. A Secretaria de Segurança Pública paulista destaca ainda que o Estado tem a menor taxa de homicídios do País e diz que, no primeiro semestre de 2022 houve mais de mil presos por homicídios.
O método distinto, diz Carolina, não invalida o estudo. “Definimos que homicídio doloso esclarecido é aquele denunciado pelo Ministério Público em determinado período. A escolha se justifica porque envolve um ator a mais do sistema de Justiça, o MP, que tem a função de controle externo.”
Legislação — A pesquisa do Sou da Paz busca apoiar a criação de um indicador nacional de esclarecimento de homicídios. Esses esforços se concentram no Conselho Nacional do Ministério Público e no Congresso, onde há dois projetos que tramitam com o objetivo de promover a publicação regular de taxas de elucidação de crimes.
Sobre os dados, o Ministério da Justiça e Segurança Pública destacou ter projetos estruturantes, como o fortalecimento da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos, que culminaram no alcance de mais de 3,4 mil investigações.